Guerra mundial por equipamentos contra vírus vai afetar as nações, dizem militares

Imagem: EB

Crise desencadeada pela covid-19 deve obrigar país a criar plano de defesa biológica e investir na produção e manutenção de cadeia logística contra ameaça

Marcelo Godoy*, O Estado de S.Paulo
Caro leitor,
A disputa mundial por equipamentos de proteção individual e por respiradores artificiais levará os países à revisão de suas políticas industriais e das cadeias logísticas depois da crise. Deve provocar também a criação e a manutenção de linhas de produção de insumos e de máquinas necessárias – hoje tornadas estratégicas – para a Defesa Biológica das nações e para a proteção das populações expostas ao surgimento de novas pandemias, como a da covid-19.
“Não só o multilateralismo, como a logística mundial vai mudar. Os países serão forçados a dominar toda a cadeia de suprimentos para responder com autonomia às crises”, afirmou um general à coluna.”Essa é a nossa 3ª Guerra Mundial”, completou. As discussões sobre o pós-pandemia ultrapassaram os militares especializados na defesa nuclear, química e biológica do Exército e chegaram aos que traçam cenários nos documentos do Centro de Estudos Estratégicos do Estado-Maior (CEEEx) e do Observatório da Praia Vermelha.
Em um texto recente, o CEEEx começou a moldar caminhos para a saída do isolamento horizontal em que o País entrou com o início da pandemia a fim de iniciar uma nova fase, a da retomada da economia. A mesma discussão ocupou nos últimos dias os governos da Itália e da França, que determinaram quarentenas mais rígidas do que a brasileira para as suas populações – a partir de hoje ninguém mais pode sair às ruas da Lombardia, no norte da Itália, sem usar máscara. Mas mesmo esses países dependem do desenrolar da guerra comercial em torno do combate do coronavírus para acabar aos poucos com o isolamento.
Sem testes, sem equipamentos e sem proteção não há como retomar a economia com segurança, dizem os estudos, inclusive o do Exército. Mesmo que a reabertura seja urgente para trabalhadores informais e pequenos e médios comerciantes, poucos no País estariam dispostos à roleta-russa de uma volta à normalidade abrupta. Primeiro, porque ela significaria a ruptura da coesão social. Depois porque o custo em vidas – e entre elas as de parentes e conhecidos – pode ser alto demais. Trata-se de um debate ainda nebuloso e contaminado demais pelas arruaças e conflitos promovidos, principalmente, pelo presidente Jair Bolsonaro e seu filhos.
Enfrentar a situação atual levará os militares a propor um novo tipo de desenvolvimento da economia do País, como os jovens turcos fizeram nos anos 1920 e depois o general Pedro Aurélio de Góes Monteiro fez nos anos 1930? Vão lutar contra a desindustrialização, buscando manter e fomentar indústrias estratégicas para a defesa? Quem vai aceitar ficar nas mãos da produção chinesa ou americana para enfrentar uma nova ameaça?
Em 1953, o Exército criou sua Companhia Escola de Guerra Química. Banidas dos campos de batalha – as armas químicas e biológicas – eram então ameaça menos temida do que as nucleares. Americanos e russos competiam pela bomba de hidrogênio mais poderosa, enquanto os franceses e ingleses começavam a desenvolvê-la.
Nos anos 1960, o general francês André Beaufre desenvolveu seu conceito de dissuasão nuclear. Nele, a preparação para a guerra seria mais importante do que o engajamento, diante da impossibilidade de se vencer um conflito pelo fato de ele levar à destruição completa de quem nele se envolvesse. Vivia-se o que muitos chamaram de “equilíbrio do terror”. No Brasil, essa guerra era “distante e delirante”, conforme contava o general Octavio Costa. Mesmo assim, uma geração de brasileiros cresceu debaixo da ameaça nuclear, esconjurada do horizonte imediato pelo fim da Guerra Fria. A covid-19 nós fez reencontrar o medo.
“Em uma guerra convencional é possível prever baixas. Mas você sabe onde está a linha de contato com o inimigo. O mesmo vale para uma guerra química ou para o uso tático de armas nucleares. Tudo muda com a ameaça biológica. O vírus é um inimigo invisível. Não sabemos onde está e como evitá-lo. Nessa guerra, não há teatro de operações nem zona de interior. As mortes nesse conflito não são aceitáveis. Não se pode desprezá-las”, disse o general. Não há neutralidade possível para os países – no domingo, dia 5, a Suíça contava 21,1 mil casos da doença e 705 mortes.
Dias antes, o presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu “refletir sobre a dependência” de equipamentos chineses na crise sanitária. Ao jornal Le Monde, o governador Valérie Pécresse, que preside a região Île-de-France, disse ter encomendado milhares de máscaras na China no dia 20 de março. Sem notícia sobre o carregamento, descobriu que ele fora entregue a outro comprador, que pagou mais caro. “Não sabemos quem fez isso; falam dos americanos, mas é difícil provar.” Por sua vez, a Suécia denunciou a França por julgar inaceitáveis as restrições impostas por Macron à exportação de equipamentos médicos. Estocolmo julga a situação “séria”.
Deve-se, então, repetir aqui a pergunta feita por Raymond Aron, em Paz e Guerra Entre as Nações, mas em outros termos: a corrida por EPIs e respiradores será causa de conflito político ou, ao contrário, é o conflito político entre os blocos e países que vai motivar a corrida pelos equipamentos? A busca por eles resultará do desejo de segurança e força e simbolizará o que Aron chamou de “dialética da hostilidade em tempos de paz”. Será “a forma não belicosa da escalada” e pode agravar a insegurança entre os estados rivais.
Assim como na corrida armamentista, cada um se arma porque o outro se armou também. Nenhum Estado pode pôr fim a esse processo. Importam aqui não as intenções das nações, mas as suspeitas que suas ações despertam entre americanos, chineses e europeus. Nenhum dirigente nacional poderá deixar de lado a necessidade de uma política de defesa biológica. Todos terão de prestar contas sobre o que estão fazendo para proteger seus povos. E isso vale tanto para Bolsonaro quanto para Donald Trump.
A caça de equipamentos deflagrada pelo governo americano – e denunciada por alemães, franceses e brasileiros – tornou dramático o slogan de Trump: America First. Aron acreditava que o progresso técnico talvez estabilizasse a disputa atômica entre as nações. Pode ser que surja algum novo equilíbrio após a crise da covid-19. Mas é bom lembrar a advertência do pensador francês: “Para se chegar ao equilíbrio, não se deve contar com os diplomatas.”

*Repórter especial
Jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).

12 respostas

  1. Espero que os nosso governantes tome esta pandemia como lição, todos sabemos quando isso acabar vai ser muito difícil voltar o normal, um povo sem educação, sem saúde, sem segurança, até sem saneamento básico, no seculo vinte e um, ainda deixamos a desejar. Espero que os nosso governantes olhe pro povo, não pro seu bem estar, e pare de tentar se promover, as custa de um povo tão sofrido. figuem com Deus.

    1. Faço minhas as suas palavras companheiro. muito bem colocadas. Há muitos cegos no país dando atenção a coisas pouco importantes. resumindo, estamos batendo palmas pra maluco dançar e o que realmente importa fica em segundo plano.

      1. Eu já tive várias decepções com compras de aparelhos eletrônicos chineses.

        Fico imaginando um determinado país que pagou três vezes ou mais por equipamentos que não funcionam, durão pouco, se danificam facilmente, etc, completamente inservíveis. Será que algum país irá admitir que as compras realizadas de urgência tiveram algum contratempo.

        Por enquanto isso é apenas uma suposição.

        Melhor investir na indústria nacional é mais seguro.

  2. A Itália seguiu o “politicamente correto” dos progressistas e no meio do alastro da pandemia criou o “abrace um chinês” mesmo sabendo que os caras vinham de regiões atingidas. Depois que colapsaram o sistema de saúde e comecaram empilhar caixões, resolveram fazer algo. Por aqui, mesma coisa: carnaval correu solto, jogos de futebol lotados e por aí vai. De uma hora pra outra começa o terror da mídia, que faz palanque político em cima de cadáveres, questionando constantemente as ações do governo. Definitivamente, a morte do indivíduo interessa muito mais pra certos grupos do que a sobrevivência dele. Canalhas!

  3. Espero que todos assistam este vídeo para entender melhor a geopolítica e encarar os problemas e as OPORTUNIDADES com mais seriedade.

    4º CAPÍTULO: O QUE A IMPRENSA BRASILEIRA NÃO MOSTRA!

  4. “Trata-se de um debate ainda nebuloso e contaminado demais pelas arruaças e conflitos promovidos, principalmente, pelo presidente Jair Bolsonaro e seu filhos.”

    Não é isso não. O decreto de emergência da saúde foi publicado em 06/02/2020. O Dr Drauzio Varella, para deleite da rede Globo, prefeitos e governadores declarou que era apenas uma “gripezinha”. O carnaval prosseguiu firme e forte. Há 40 dias o Presidente Bolsonaro vem falando do uso da cloroquina. Mas como o Mandetta precisa seguir as ordens da OMS e do Rodrigo Maia, conforme a Globo, o MPF, o Congresso e o STF decretaram, tem que seguir a OMS.

    Os ricos estão usando a cloroquina e se curando, mas o Mandetta acha que precisa de conclusões mais científicas. Oras, pergunte aos índios, com os quais os cientistas aprenderam a usar a quinina. Enquanto isso, todos que se movimentaram politicamente para liberar bilhões em dinheiro para Estados e municípios, para compras sem licitação, começam a ceder querendo colher os louros de suas medidas apoteóticas. Nenhum desses seguiu ou acompanhou os protocolos de Hong Kong e da Coreia do Sul.

  5. Nada mudará após a epidemia e seus milhares de mortos! Continuaremos com os políticos profissionais de sempre com suas infindáveis mordomias! Política como profissão e meio de enriquecimento! Direita, centro e esquerda, no Brasil, é tudo a mesma coisa! NINGUÉM ABRE MÃO DE SUAS MORDOMIAS! Cartões corporativos, viagens, passagens aéreas e vôos em jatos da FAB, auxílios disto e daquilo, legiões de assessores, carrões blindados e seguranças (incluindo todos os ex-presidentes ainda vivos), etc…etc…e o Brasil continuará, eternamente, subdesenvolvido!

    1. Mas vc é eleitor ou está entre os 30% omissos? Tem muito parlamentar abrindo mão dos seus privilégios e provavelmente teremos eleições neste ano de 2020. Quando eu era criança, só havia 2 tipos de sapatos para comprar. Logo, eternamente não existe.

  6. O corona 19 chegou para mostrar ao mundo suas deficiências ,aqui no Brasil ,saneamento básico,saúde, educação ,principalmente simples hábitos de higiene como lavar as mãos, transporte ,segurança,ou seja ,precisamos melhorar muito em praticamente tudo,e a qualidade e quantidade dos nossos políticos, já passou da hora de ser revista.Mostrou também a dependência que temos de equipamentos estratégicos como nessa situação ,espero que agora parem de roubar e se preocupem mais com as pessoas .

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