Milícia cobra taxa em condomínio de militares no RJ

Milícia passa a cobrar taxa em condomínio de militares na Praça Seca

A entrada do Condomínio da Comunidade Residencial Aeronáutica, onde milicianos estão cobrando taxa de R$ 30 por mês dos moradores: criminosos vão de porta em porta fazer cobrança
A entrada do Condomínio da Comunidade Residencial Aeronáutica, onde milicianos estão cobrando taxa de R$ 30 por mês dos moradores: criminosos vão de porta em porta fazer cobrança Foto: Gabriel Paiva / Agência O Globo
Gustavo Goulart e Rafael Galdo

Fim da tarde de quarta-feira passada. Um morador da Praça Seca abre a porta e se depara com um miliciano, que foi a seu apartamento para lhe cobrar uma taxa de segurança de R$ 30 mensais. A população do bairro, que há anos enfrenta o controle armado de criminosos, vê as extorsões da milícia avançarem sobre uma espécie de última fronteira: o condomínio criado para militares, o Comunidade Residencial Aeronáutica.

Ao todo, são 656 apartamentos em 41 blocos habitados, em grande parte, por militares da reserva. Na região, abalada por confrontos constantes, os paramilitares não param de espalhar seus tentáculos.

Vizinhança assustada

O condomínio, na Rua Barão, foi inaugurado em 1972. Na época, era um investimento de uma cooperativa de aeroviários e militares da Aeronáutica num bairro, até então, bucólico e de classe média. Durante anos, o conjunto foi administrado por integrantes da Força Aérea Brasileira (FAB). Mas assistiu a seu entorno favelizar e à região entrar no mapa da violência do Rio. Antes da milícia, o tráfico no Morro da Barão, localizado ao lado do conjunto, também já causou problemas. Saiu um grupo criminoso, entrou outro. E a paz não voltou mais.

Hoje, muitos dos antigos moradores foram embora, mas militares e seus parentes continuam sendo uma parcela significativa dos condôminos. Mesmo com a presença de tantos agentes de uma das principais forças de segurança do país, moradores de pelo menos dois blocos, que somam 32 apartamentos, já teriam pagado os R$ 30 por imóvel estipulados pela milícia.

Mas com um detalhe: num modus operandi semelhante ao adotado em condomínios próximos, dizem algumas das vítimas, os criminosos excluíram da cobrança as residências de famílias que tenham algum parente com problemas mentais ou deficiência física, idosos acamados e, neste caso específico, os próprios militares da Aeronáutica, que pouco puderam fazer pelos vizinhos.

— São os caras da milícia do morro, onde eles cobram até mais caro, R$ 50 — disse outra pessoa abordada.

PM não viu bandidos

Na quarta-feira, três jovens praticavam as extorsões, segundo descreveram os moradores. O comportamento dos milicianos chamou atenção porque pareciam nervosos, diferentemente de um grupo de homens que, há cerca de três meses, também esteve no condomínio oferecendo serviços de segurança.

— Naquela ocasião, eles vieram conversar, apresentaram-se, mostraram planilhas de serviços, mas nunca mais voltaram. Soubemos que teriam desistido quando confirmaram que aqui moram militares da Aeronáutica. Os que vieram na quarta-feira eram bem jovens e pareciam muito amedrontados. Em alguns momentos, tremiam — revelou uma moradora nesta sexta-feira.

Após denúncias, ainda na quarta à noite, policiais militares do 18º BPM (Jacarepaguá) estiveram no condomínio, mas os criminosos não foram encontrados. Segundo policiais civis, não houve denúncias à delegacia local, a 28ª DP (Praça Seca), sobre a presença de milicianos no condomínio da Aeronáutica. Mas um agente ressaltou que toda a região de Jacarepaguá e adjacências está tomada pela milícia. A cobrança de R$ 30 por apartamento, na opinião do policial, pode ser considerada baixa.

— Devem ter cobrado isso por se tratar de um condomínio de militares. A média normal é de R$ 50. Restaurantes, mercados, farmácias, por exemplo, pagam R$ 250 por semana — contou.

Segundo ele, os principais milicianos que atuam na região são conhecidos pelos apelidos de Macaquinho, Lelé e Playboy, esses dois últimos irmãos.

— É difícil fazer um flagrante da ação desses grupos paramilitares. Eles têm alternado os horários e até os dias da cobrança. Em alguns casos, eles forçam síndicos a recolherem a taxa dos moradores e oferecem a ele uma parte. Mesmo que o síndico seja honesto, como ele vai poder dizer não a um criminoso violento como são os milicianos? — questionou o policial.

Investigação sigilosa

A Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco), da Polícia Civil, investiga a ação do grupo que age na Praça Seca. Questionada na sexta-feira sobre as denúncias relativas ao condomínio da Aeronáutica, respondeu, por meio de nota, que “apura em sigilo informes do gênero”. Também procurado, o Ministério da Defesa ressaltou que o condomínio não integra os imóveis de seu Próprio Nacional Residencial (PNR), mas não comentou o fato de as ameças ocorrerem num conjunto onde ainda residem muitos militares.

Num condomínio próximo ao Comunidade Residencial Aeronáutica, no último mês de junho um morador chegou a gravar um áudio em que uma funcionária da administração explicava como seriam as cobranças.

Condomínio negociava
Condomínio negociava “desconto” com a milícia desde maio, mas quadrilha não abriu mão do valor de R$ 50 mensais por morador Foto: Arquivo

— A milícia voltou aqui no condomínio novamente, tá? . (Esta parte é inaudível) (…) conversou com eles para tentar abaixar o valor, mas eles disseram que não, que ia ser R$ 50 mesmo nos dois primeiros meses, julho e agosto, e, a partir de setembro, R$ 40 — explicou a um morador. — A gente comprou uma urna para deixar aqui na sala, com cadeado, chave, essas coisas. Estamos pedindo para o morador para trazer o dinheiro num envelope. Quem contribuir, a gente vai dar baixa com um papel aqui — acrescentou.

Bairro virou uma praça de guerra há pelo menos dois anos

Há pelo menos dois anos se acirraram as disputas entre traficantes e milicianos na Praça Seca. No último mês de março, por exemplo, foram dez dias seguidos de tiroteios. Ao longo de todo este ano, até o último dia 7 de agosto, dos cinco mil tiroteios registrados no Grande Rio pelo laboratório de dados sobre violência armada Fogo Cruzado, 113 tinham ocorrido na Praça Seca, o que deu à região o quarto lugar no ranking dos bairros mais conflagrados.

Se considerados os números de homicídios dolosos divulgados pelo Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP), a letalidade violenta na circunscrição da 28ª DP (Praça Seca) caiu 25% em relação ao mesmo período do ano passado, de 31 para 23 mortes (por homicídio doloso, lesões corporais seguida de morte, latrocínio e mortes por intervenção de agente do Estado). Nada que signifique, no entanto, que os moradores podem se sentir mais seguros.

Os milicianos dominam morros como o da Barão e da Chacrinha. Além da Rua da Barão, outras vias importantes, como a Rua Cândido Benício, vivem o clima de medo.

Em abril, após um novo tiroteio interromper o serviço do BRT por horas na região e de denúncias apontarem que os paramilitares usavam uma espécie de boleto para cobrar taxas de segurança de moradores, o governador Wilson Witzel anunciou a intenção de ocupar algumas comunidades do bairro. Na época, porém, ele não deu deu detalhes e nem estipulou prazo para a retomada. Witzel chama de “terroristas” os milicianos e os traficantes que disputam o controle da região.

EXTRA/montedo.com

18 respostas

  1. Apesar de ser um “condomínio” particular, não da FAB, pois os da FAB, assim como do EB e da MB, são as chamadas vilas, se quem mora lá tivesse o apoio devido do governo isto não estaria acontecendo. Agora, se os militares se reunirem e fizerem um “GRUPO DOS MÃOS BRANCAS”, aparecerão um bocado de “ortoridades” dizendo que não pode, que é contra a lei etc. NÃO TEM GENTE DE PEITO AÍ, NÃO?!!!

    1. Amigo, a aeronáutica nada tem a ver com o conjunto de prédios.

      Foi a associação de aeronautas a responsável pelo empreendimento, que foi vendido a muitas pessoas, inclusive militares.

      E fica distante da área dos Afonsos.

      👍

  2. Aham…EB vai dar um jeito?
    Governo atual vai dar um jeito?

    Do jeito que está a inflação e o aumento do dólar, vão é aumentar pra 100 conto a taxa…

  3. Agora que nossos generais e coronéis somam centenas nos mais diversos cargos do governo de nosso querido líder, o Ilustríssimo e Ilustradíssimo Senhor Bonoro, provavelmente resolverão situações como essa do dia para a noite, assim como o fizeram com a questão dos baixos salários que julgavam receber.

  4. “Militares que nao comandaram nem guerra de travesseiros… Militares com medo de arma”.
    É o cumulo, o final dos tempos. Decerto ligaram para a Policia Militar, chorando pela extorsao…
    Meu deus estamos falando de militares! Olha o cumulo da situação em que chegamos! Brabao só com RDAEr com o mais moderno? Kkkk

    1. Já vi um fato vergonhoso em uma OM que servi…como o perímetro era muito extenso o comandante pediu o auxílio da PM para uma ronda dentro da área do aquartelamento! Vergonha alheia!

  5. Enquanto isso na sala de justiça… Parabéns aos envolvidos.
    .
    “Nos últimos dois meses, o presidente Jair Bolsonaro interferiu diretamente nos três principais órgãos de combate à corrupção no País que de alguma forma cruzaram o caminho de sua família – a Polícia Federal, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Sempre alegando que quem manda é ele, Bolsonaro admitiu que, em alguns episódios, agiu para defender familiares.” https://www.bol.uol.com.br/noticias/2019/08/17/bolsonaro-intervem-em-orgaos-de-controle.htm?cmpid=copiaecola&fbclid=IwAR2iUdlGY7Vrs8il1_qBftCVeJXGoXZcP1haaqfSjqCgnh0JXfBmSgAcT7A

  6. Agora, se tiver uma arma, vá dar um tiro para ver as consequências?! As autoridades deixaram chegar nesse ponto e agora para resolver só com uma operação de guerra, que será paliativa. Você sai de casa e fica a mercê de arrastões, assaltantes de moto,blitz falsa,e, a pior delas, tentativa de extorsão por parte de funcionários de fiscalização de trânsito ou PM’s. Os militares das Forças Armadas são reféns dos bandidos e das leis… até o caldeirão estourar.

  7. O Brasil continua sendo um “calhambeque”, só anda no tranco! Deixa eu contar um “causo”: Em uma cidade do norte, fizeram uns apartamentos de vila militar em uma área que dava acesso livre entre duas avenidas e onde havia um colégio frequentado pela maioria dos filhos dos militares. Passava por lá quem quisesse cortar caminho. A malandragem começou a assaltar, arrombar carros, etc. A vila não tinha sentinelas e nem portaria, pois era uma área grande e, não pensaram nisso(?). Como o comandante disse que não tinha soldados suficientes(década de 80/90), e parece que continua na mesma, para ter sentinela permanente, os militares se reuniram e fizeram por conta própria equipes de rondas permanentes, pois os familiares e eles estavam em perigo constante. Foram pedir, pelo menos, apoio de arma, o que foi negado. O único apoio dado foi uma ronda com viatura que passava em todas as vilas de hora em hora, como se bandido fosse esperar por eles. Então, quem tinha alguma coisa para defesa levava a sua(arco e flecha, tacape,estilingue, pedra…) extraoficialmente. Como nas imediações havia ocorrências policiais, num certo dia apareceu um CPF cancelado em uma área de mata vizinha, nada relacionado com a vila ou com os militares das rondas, mas chegaram a duvidar. Era um daqueles velhos conhecidos da PM. Um tempinho depois, o muro foi construído com portaria e soldados. Só no tranco ou no susto?

  8. Anônimo no 17 de agosto de 2019 a partir do 20:09, mas os PMs são de outro planeta? São homens iguais a quaisquer outros. Se dissesse que eles são os responsáveis para este serviço, aí concordaria, mas se não o estão fazendo vou ficar esperando o quê? É que todo mundo quer moleza também. Eu acredito que nesse lugar morem atualmente só alguns militares e que já são idosos.

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