Fruto proibido

Demétrio Magnoli

Se os generais podem, por que tenentes, sargentos e soldados não poderiam?

“Não fazemos política.” Ash Carter, secretário da Defesa sob Barack Obama, sintetizou desse modo sua crítica a um pequeno, mas significativo, incidente recente. O sujeito oculto da frase são as Forças Armadas dos EUA. A lição precisa ser ouvida pela cúpula militar brasileira, que parecia tê-la aprendido 35 anos atrás.

O incidente foi objeto de indagação numa entrevista de Carter à The Atlantic (14/6). Durante a visita de Donald Trump ao Japão, no final de maio, uma ordem transmitida por algum funcionário da Casa Branca a alguém na Marinha determinou que se ocultasse o nome do destroier USS McCain, fundeado numa base naval americana. Motivo: o navio foi batizado em homenagem ao falecido senador republicano John Mc Cain (e também a seu pai e a seu avô, todos oficiais da Marinha), antigo inimigo político do presidente. A ordem foi cumprida, manchando uma valiosa tradição democrática.

A “violação da natureza apolítica das Forças Armadas”, na qualificação de Carter, parece pouca coisa. Não é: a estabilidade do sistema democrático da maior potência militar do planeta depende da subordinação absoluta dos militares ao poder civil. Nos EUA, generais fazem política (e um deles, Eisenhower, presidiu o país entre 1953 e 1961), mas só depois de passarem à reserva. No episódio do USS McCain, a subversão da tradição emergiu como perigoso precedente. E se, amanhã, o presidente for recebido numa base militar por soldados com os bonésMAGA (“Make America Great Again”) das campanhas de Trump? Os que não têm armas cuidam da política; os que têm armas ficam proibidos de fazer política.

Bolsonaro liga menos ainda para a regra de ouro que Trump. Até agora, nossa cúpula militar parecia engajada em conservá-la —mas isso já não é tão certo. Mourão, Augusto Heleno e Santos Cruz, a troika militar original, foi constituída por generais da reserva. A separação era mais formal que efetiva, pois o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas opera como ponte entre a troika e o atual comandante, Edson Pujol. Os três traçaram um prudente círculo de ferro discursivo, distinguindo-se da radicalização ideológica bolsonarista.

O metal, porém, começa a sofrer visível corrosão. As manifestações intempestivas de Heleno, na esteira da revelação dos métodos heterodoxos da Lava Jato, não podem ser tratadas como as declaraçõesde um qualquer Onyx Lorenzoni (“Moro ajudou a salvar o Brasil do PT”). O general que identifica Moro à pátria e clama pela condenação de Lula à prisão perpétua ainda mantém, no armário, a sua farda estrelada.

Há mais. No lugar do general da reserva Santos Cruz, uma voz da moderação, o núcleo militar governista ganha a presença do general Luiz Eduardo Ramos. O novo ministro da Secretaria de Governo também exibe perfil moderado, mas é da ativa —e seu cargo tem peso estratégico muito maior que os de Bento Albuquerque (ministro de Minas e Energia) e Rêgo Barros (porta-voz da Presidência), os outros generais da ativa no primeiro escalão.

O risco é a contaminação dos quartéis: se os generais podem, por que tenentes, sargentos e soldados não poderiam? Perto disso, o episódio do USS McCain não passa de folguedo infantil.

A história conta. Os EUA nasceram sob o signo do poder civil, que não foi abalado nem mesmo pela Guerra de Secessão. No Brasil, o Império civilista deu lugar a uma República parida pelas baionetas, no rastro da Guerra do Paraguai. A pulsão da intervenção castrense ritmou a política nacional, do 15 de novembro de 1889 ao 31 de março de 1964, passando pelo suicídio de Vargas, no 24 de agosto de 1954.

Um fruto positivo da ditadura militar, que desgastou a imagem das Forças Armadas, foi a apreensão do valor do princípio explicitado pelo americano Carter: “Não fazemos política”. Contudo, sob Bolsonaro, nossa cúpula militar flerta com a tentação de experimentar, uma vez mais, o fruto proibido.

*Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

FOLHA DE SÃO PAULO/montedo.com

35 respostas

  1. Blablablá. Sociólogo da USP. Quer dizer que o que serve e funciona nos Estados Unidos, deve ser aplicado aqui?
    Acorda o sociólogo da USP. Aqui e Brasil. Aqui não tem pena de morte nem prisão perpétua para punir a escória da sociedade. Aqui, as prisões, segundo os sociólogos da USP e que tais, são para ressocializar as vítimas da sociedade, e não para punir, como nós USA. Aqui, preso não pode fazer trabalho forçado, como nós USA. Aqui, o voto e obrigatório e com urna fraudavel eletrónica, diferentemente de lá, que e opcional e no papel.
    Aqui, os militares ganham salário de fome e pelo posto ou graduação, diferentemente de paz onde os mesmos são profissionais e percebem proventos de acordo com sua dedicação, cursos e especializações. E, principalmente: Lá , não existe ameaça de implantação de regime comunista, mas aqui estamos em guerra interna e externa com entes que querem derrubar o presidente para implantar o comunismo .
    Portanto, só me resta dizer para ti, o sociólogo da USP:
    Vai lamber sabão, vai te catar , tu e todos que pensam que dá para tratar diferentes como iguais. Cada Estado, seus problemas e suas soluções

  2. Muito bem observado Montedo, se os Generais podem, e o nosso presidente foi eleito sob a bandeira da honestidade, os Ten QAO das forças armadas e os ST e SGts com caráter irretocável e ilibada conduta civil e militar, também podem ser indicados aos cargos políticos, por que só “eles”?

    1. A interpretação de texto é muito importante em nossa língua Pátria, sem o qual , quem não a domina, não deve fazer considerações sobre determinadas matérias.

  3. Tem que se tomar cuidado com esse texto. Folha de São Paulo, nitidamente de esquerda e contra o país. Os generais que o Bolsonaro colocou são incompetentes? no meu ver não. O texto fala que os demais podem querer tambem, ja não o fazem? temos sgt QE, Cap QAO e outros tantos envolvidos na política. Antes militares da reserva ocupando cargos no legislativo e executivo, do que políticos conhecidamente corruptos, mas isso parece que não incomoda a folha de São Paulo.

  4. Ao contrário do que diz o artigo, todos os militares, inclusive o Comandante do Exército, estão na reserva, o que desconstrói o texto.

  5. Esse sociólogo deve ser mas um Fernando Henrique Cardoso.
    Visivelmente quer jogar a tropa, uns contra os outros.
    Hoje em dia ninguém cai mas nessa. Os praças uma boa parte têm nivel superior, deixou de ser massa de monabra.
    O governo está fora dos quartéis, quem entra pro governo, pra política deixa a farda e, com certez não retorna, é colocado em cota compulsória exatamente para não voltar e,influenciar, infectar dentro dos quartéis.

    1. “Os praças uma boa parte têm nível superior….”. Concordo, muitos tem. Sabe por quê? para mostrar para seus chefes. A maioria fizeram depois de muito tempo, com esperança que fossem mais observados pelos superiores, fizeram para tentar entrar em um círculo que nunca farão parte. Canudos nas gavetas.
      Praça sempre vai ser praça. Caso um dia foram selecionados para cúpula da democracia, será simplesmente para carregar as malas, nada mais.
      Desculpe a sinceridade, mais é assim que funciona o sistema.

  6. Também em algum lugar está escrito que político não podia ser CORRUPTO. Mesmo assim um tal partido chamado PT, mais seus tentáculos, implantaram suas políticas corruptas num país chamado BRASIL. Então, “NADA A VER!!!!”

  7. O texto, até tem mínimo de lógica, mas quando vejo que a fonte é a Folha de São Paulo, pra mim perde-se toda a credibilidade que poderia.
    Passa a ter um cunho ideológico tendencioso o qual não merece que seja dado importância alguma!

  8. Não entendo esse pessoal da esquerda, odeiam os EUA, criticam tudo e todos que vem de lá, exceto quando tem algo que os interessa. É muita hipocrisia. Até parece que nos somos igual aos EUA em termos de política, justiça e combate à corrupção. Se la tivesse o nível de corrupção que destruiu nosso pais, tenho certeza que a postura politica das FFAA norte americana seria outra!

  9. Nenhuma novidade.
    Aliás, vale salientar que a atividade política é atividade humana, viver é político.
    Todavia, é a política partidária que adentra os quartéis, mas não é de hoje, há tempos que “nossos” oficiais fazem essa política.
    Talvez isso se dê por excesso de tempo, falta do que fazer mesmo.
    Por fim, espero que não levem as FFAA à lama.
    Nossas Forças são muito mais que isso que está posto.

  10. E quem disse que praça não pode? São diversas as praças eleitas para os mais variados escalões da política a cada eleição que passa. Porém a diferença está exatamente aí! Fazer política. A maioria simplesmente acha que após passadas as eleições não precisam fazer mais nada. Que basta representar a categoria apenas como figura decorativa, participando de viagens, tirando fotos com autoridades, deslumbrando-se consigo mesmo por estar usando um terno e sapatos e tirando a barriga da miséria em jantares sem que haja um recruta para controlar a carne. Não são ao menos capazes ler um livro, jornal ou revista a fim de melhorar o próprio vocabulário de meia dúzia de palavras. Vai ver é por isso que em um momento tão importante para as praças como o de agora, em que a oportunidade de melhorias bate a nossa porta, não ouvimos nem um arroto desses nobres representantes. São aquilo que são, ou seja, praças!

  11. Na juventude, Demétrio Magnoli foi trotskista, militando na Liberdade e Luta (Libelu), uma facção do movimento estudantil ligada à Organização Socialista Internacionalista (OSI).[8]

    A partir de 1981, os militantes da Libelu engajaram-se intensamente na formação do jovem Partido dos Trabalhadores, porque a OSI via nele o surgimento de um partido operário de massas. Para legalizar o partido, Demétrio ajudou a filiar um grande número de membros.[8]

    No entanto, em 1983 Demétrio rompeu com o marxismo e abandonou a Libelu por acreditar que aquele movimento se aproximava do Stalinismo que tanto criticava. Segundo ele, o marxismo oferece aos intelectuais a ilusão de que são donos de um saber maior: o do fim da história. Como consequência, essa ideologia justificaria o autoritarismo, dando aos intelectuais a função de dirigir a sociedade.[9] Abandonou o PT em 1989, quando percebeu que o partido “se afastou de princípios filosóficos e morais que estavam na sua origem”.[8]

    Hoje, Demétrio Magnoli se considera “tão de esquerda quanto um social-democrata europeu”.[8] Ele justifica sua posição por acreditar que a liberdade econômica não é um valor absoluto, sagrado. Para Demétrio, o Estado deve criar redes de proteção social e prover serviços públicos de qualidade para a população. Ele faz, no entanto, uma distinção entre a esquerda europeia, com a qual se identifica, e a esquerda latino-americana, que ele critica, identificando-a com o castrismo, o chavismo e o kirchnerismo. Segundo ele, a esquerda latino-americana notabiliza-se pelo viés nacionalista e pelo discurso antiamericano; seria autoritária e defenderia o capitalismo de Estado.[10][11]

    Crítico do lulopetismo, Magnoli considera o governo petista conservador por estimular o capitalismo de Estado e por se negar a fazer uma série de reformas que tornariam a representação mais efetiva e mais transparente. Segundo ele, o governo PT é também restauracionista, porque quer restaurar o corporativismo varguista.[12]

    Na Eleição presidencial no Brasil em 2018, Magnoli declarou voto crítico em Fernando Haddad: “A disputa não é entre dois extremistas simétricos. Hoje, só há um extremista. Derrotá-lo não é escolher o PT, mas escolher a democracia.”[13]
    Fonte Wikipédia.
    Resumindo. Um bosta esquerdista que não se conforma com o resultado das eleições e com o rumo que o Brasil tomou. Um “intelequitual” que não sabe aceitar a vontade popular.

  12. O Gen Heleno manifestou-se após o presidiário e ex-presidente Luiz Inácio Lula dda Silva, ou simplesmente Lula, da prisão, ter dado uma entrevista na qual, entre outras coisas, questionava o atentado ao então candidato Bolsonaro. Quer dizer, o sociólogo não estranha um presidiário ter dado declarações do cárcere, mas se incomoda quando um general da reserva responde de forma dura às depaupérios do ex-presidente presidiário? Lula pode falar o que bem entender, mas se um um general da reserva resolve responder a altura, isso não pode? Asim é a nossa imprensa, assim são os nossos “sociologos”

  13. O ataque da imprensa…dos políticos…dos artistas…das ONGs…dos esquerdistas…dos intelectuais ao Bolsonaro me leva a crer que ele é, de fato, uma ameaça a esta quadrilha que assaltou o país e levou a economia ao fundo do poço! Os governos de esquerda só souberam roubar e se manter no poder pois tudo que “pregam” não fizeram em suas gestões: defesa dos recursos minerais do país…ampla reforma agrária…diminuição da violência…”paz” social…combate ao domínio do sistema financeiro (muito pelo contrário pois o ex presidente presidente e a presidenta facilitaram o crédito endividando a população…os aposentados que o digam…) e geração emprego. O Brasil, hoje, tem uma parcela enorme da população desempregada e os esquerdistas, mal intencionados, nem mencionam que o desemprego explodiu no governo da presidenta! Atacam Bolsonaro de todas as maneiras. Se o governo atual naufragar e a esquerda criminosa voltar…tempos sombrios virão…o país entrará em colapso e com ele virá o caos! Quem viver…verá!

  14. Parafraseando o General Santos Cruz, posso dizer sobre a esquerda e a imprensa e as pessoas que insistem em defende-la é que o que falam, escrevem e pensam, na verdade, trata-se de um enorme show de besteiras.

  15. O povinho, incluindo vc, não esqueceu o PT. Quem está enrolado até o pescoço são os políticos presos, inclusive o Lula, e muitos outros que ainda serão. PSL ditando regras? Rsss.. vc quis apenas utilizar a sigla né!

  16. Votei no Bolsonaro como estratégia de mudança. Mas a decepção está sendo grande demais. General Santo Cruz tem razão, é só besteiras o que esse governo está promovendo. Uns ministros mais doidos do que o outro. É só pensar em Damares e outros mais. Depois quer colocar um monte de generais. Isso nunca vai dar certo… Quero solução para o desemprego, o crescimento econômico, educação, saúde e não se a tomada de 3 pinos é viável ou não. Dá licença, né.

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