Jovens militares do Rio temem ir a uma “guerra em casa”

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Comandantes voltaram a defender o auxílio-moradia para servidores das Forças Armadas
  Jovens que trabalham no Exército e moram na comunidade revelam preocupação com intervenção militar | Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil / CP
Jovens que trabalham no Exército e moram na comunidade revelam preocupação com intervenção militar
Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil / CP
O soldado A. viveu dias de apreensão às vésperas da operação conjunta das Forças Armadas e da polícia na Cidade de Deus, zona oeste do Rio, pouco antes do carnaval. Seu temor era ser convocado para atuar na própria comunidade onde nasceu, foi criado e ainda vive com a família. A., a mãe e a avó só se sentiram aliviados quando saiu a escala de serviço: o rapaz, militar há um ano, fora designado para atividades no quartel.
“Seria muito desconfortável. Tem gente que cresceu comigo e hoje está no tráfico. Não sei como ia reagir na hora H”, contou A., revelando um drama pelo qual vêm passando praças envolvidos na intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro.
Jovens como A., oriundos de comunidades pobres, que ingressaram nas Forças Armadas em busca de emprego estável e ascensão social, temem ser vistos por traficantes no papel de inimigo. Isso poderia desencadear represália para si e para parentes. Para se resguardar, quando em missões nas favelas, eles usam máscaras que cobrem o rosto inteiro – apenas os olhos ficam de fora.
“Até hoje fui poupado, eles dão preferência a pessoas de fora. Mas se tiver de ir, não vai ter jeito. Vou fazer tudo para não ser reconhecido”, disse A.. “Eu não me envolvo com ninguém, mas tenho amigo do lado de lá. Todo mundo tem. Procuro nem passar perto. Acredito na intervenção e na construção de um Rio e um País melhor se as operações forem sérias. Só não adianta fazer operação e sair. Tem de ficar”, continuou.
Segundo A., é comum que informações sobre as investidas militares cheguem antes aos ouvidos dos traficantes, por causa da convivência natural nas favelas. “Eu nunca informei, mas um vai comentando com o outro, e todo mundo acaba sabendo”, explicou o jovem.
O soldado não imaginava que o cerco à Cidade de Deus antecederia a intervenção, decretada pelo presidente Michel Temer (MDB) após o carnaval, com duração prevista até 31 de dezembro. A preocupação com a situação dos jovens que servem nas comunidades já existia desde que foi decretada a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), há sete meses. Foi quando começaram ações conjuntas entre militares e policiais no combate à violência no Rio.
Auxílio-moradia
Em janeiro, ao defender a volta do auxílio-moradia para militares, extinto em 2000, o comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, declarou que o benefício era fundamental porque as famílias do contingente empregado em áreas com tráfico “ficam vulneráveis e são ameaçadas”. O almirante também considerou que “o risco de contaminação da tropa (pela proximidade com os traficantes) é grande”. A fala foi endossada pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas.
Militares que participaram em 2017 de ações na Favela da Rocinha, zona sul, também temeram ser identificados. Ali, havia agravante: a comunidade era dominada por bandidos de uma quadrilha que se dividiu em duas facções diferentes – Amigo dos Amigos e Comando Vermelho – e entraram em confronto.
A parcela do efetivo de moradores de lá ou de outras favelas sob o jugo de bandidos desses grupos se sentiu duplamente ameaçada. Alguns chegaram a usar máscaras com desenho de caveira, o que causou medo na população e reação nos superiores, que mandaram que fossem retiradas.
“Incomoda demais (a máscara). Gera terror”, contou um morador da Kelson’s que testemunhou operações militares em sua comunidade no início da semana. Porém, diz, é compreensível que os soldados queiram se resguardar. Uma representante comunitária da Cidade de Deus confirma que os jovens alistados no serviço militar vivem o dilema entre o dever e o risco que correm.
“Os rapazes da comunidade que servem nas Forças ficam nessa tensão. Os moradores sabem quem se alistou, as mães comentam, as famílias comemoram. Com operações frequentes, muda de figura. Eles saem à paisana e trocam a roupa no quartel”, contou uma representante comunitária da Cidade de Deus. Guerra – Liderança do Complexo do Chapadão, na zona norte, Gláucia dos Santos denunciou à Anistia Internacional o barril de pólvora que pode se tornar um confronto que divide jovens que foram criados juntos e têm armas de alto calibre nas mãos.
“Estão tentando criar uma guerra nas favelas”, disse Gláucia, cujo filho de 17 anos foi morto pela polícia em 2013. “A maioria que vai para o Exército é favelada e há essa rivalidade com os que foram para o tráfico. Eles vão enfrentar o próprio povo: vão se matar.”
Fundador da ONG Rio de Paz, Antonio Carlos Costa foi um dos primeiros a chamar a atenção para a questão. “Os soldados são moradores das comunidades, e isso causa dois problemas: a possibilidade de informações sobre as operações vazarem e os jovens sofrerem retaliações, virar alvo, especialmente se houver muitas baixas. O interventor deve cuidar.”
O Comando Militar do Leste (CML) informou que já toma precauções para a segurança dos militares que moram em favelas e vai intensificá-las. Mas admitiu que nem sempre é possível alocar apenas jovens que não sejam das proximidades da área em que vão atuar. O uso de balaclavas (toucas ninjas que cobrem o rosto) é permitido. Mas o pano deve ser escuro e sem desenhos.
CORREIO DO POVO/montedo.com

Nota do editor
Discursos demagógicos à parte, a Força de Intervenção vai precisar ter um cuidado muito grande com seus integrantes que moram em comunidades dominadas pelo tráfico e portanto, alvos provavéis das operações. Qualquer descuido equivale a colocar em risco a vida dos militares e suas famílias.

16 respostas

  1. A guerra do medo. Por isso, comunidades dão apoio aos marginais, queimam pneus e ônibus sob ordem das facções. Balaclava serve para esconder a identidade e ha outras unidades em outros setores e Estados da federação. Mesmo ele não participando não impedirá alguma vingança pela intervenção dos militares. Não dá para ficar no quartel enquanto os companheiros vão para as operações. Esse tipo de situação até contribui para vazar informações ou ser aliciado pelos traficantes. Acontece a mesma coisa com os policiais.

    1. Sou a favor de uso de tropas de outros estados (Minas Gerais, Espírito Santo, Sao Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Parana, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e Brasília) na intervenção do Hell de Janeiro. Assim, protegerá os militares que servem no Hell de Janeiro, principalmente, os Cb/Sd que em sua esmagadora maioria, residem em locais dominados por traficantes e milicianos. O Sr Interventor tem autoridade para tal ato, pois responde diretamente ao Presidente da República! ST Mat Bel Turma 1995.

  2. O Ministro da Defesa/Comandante do Exército deve obrigatoriamente liberar o porte de arma para todos os integrantes do Exército no Rio de Janeiro por estarem realizando a intervenção federal, mesmo fora de serviço.

    LEI No 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003.
    Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
    I – comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

    II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

    III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.

    Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

    I – os integrantes das Forças Armadas;

    § 1o As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI.

    § 4o Os integrantes das Forças Armadas, das polícias federais e estaduais e do Distrito Federal, bem como os militares dos Estados e do Distrito Federal, ao exercerem o direito descrito no art. 4o, ficam dispensados do cumprimento do disposto nos incisos I, II e III do mesmo artigo, na forma do regulamento desta Lei.

    http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/09/1917959-arma-do-exercito-e-liberada-para-policiais-fora-de-servico-no-pais.shtml

  3. Os BILHÕES que já foram gastos nessas operações de GLO seriam melhor investidos se esses jovens que o tráfico recruta fossem recrutados pelo Estado, com salário digno, com treinamento Técnico Profissional, com perspectivas de engajar em uma profissão e um trabalho, produção, produzir, produtividade, realização pessoal.

    Fabricantes de todos os tipos de equipamentos e materiais para as forças de segurança publica ganham muito dinheiro enquanto o país inteiro vive um caos institucional. Vale à pena? a destruição de famílias, a descrença no Estado e suas instituições e o assassinato de 70 mil pessoas por ano?

    Vejam bem… Quem não está no crime está descrente. Quero acreditar que é possível uma reversão de tudo isso com INTELIGÊNCIA, onde o Ciclo Virtuoso elimine o Ciclo Vicioso.

  4. moro no Rio de Janeiro em um bairro próximo a comunidades e em menos de 1 mês fui assaltado DUAS VEZES e na ultima vez tive o meu carro roubado. Só não fui morto por uma intervenção divina.
    Estamos em um Beco sem saída e a população de bem tem que escolher o lado da LEGALIDADE.E isso sempre foi um problema sério e cultural no Rio de Janeiro uma cidade que infelizmente muita gente "boa" flerta com o crime e com a vagabundagem para ficar bem na "fita" e não parecer "esperto, malandro, desenrolado".Agora o foda-se é para todo mundo.

  5. Bla Bla Bla Bla Bla Bla Bla Bla sempre a mesma ladainha. O governo Federal para salvar seu mandado usa os militares como cobaias. Não vai dar nada. Final do ano observem isso. Em janeiro vem 5% no Soldo, aumenta a margem e vão todos ao FAM com um Pires na mão renovar o empréstimo.
    Duvido um militar matar um bandido.
    Só figuras decorativas, no final nosso Ministro Comunista sairá Governador de Pernambuco e esquecerá todas as mentiras que prometeu a Tropa.

  6. Sobre a imagem do soldado fazendo a revista…está errado né…enquanto um revista outro fica de prontidão com arma pronta…o fuzil do soldado mergulhou com o cano no chão, ficou todo errado…por favor…

  7. Não adianta por receita nessas missões. Tem que ser FE, Comandos, etc …

    Não interessa se o militar é de fora ou do Rio, quando os bandidos encontrar qualquer militar das FFAA vai atirar e matar, tal como fazem com policiais.

    1. Camarada anônimo 26 FEV 18 dás 21:39. Tem lógica seu argumento. Tenho uma sugestão melhor: Extinção e/ou Transferência de OM e/ou Bda do Hell de Janeiro para outros Estados. Há muito tempo que os criminosos aliciam militares das Forças Armadas (principalmente, Cb/Sd) para suas "fileiras". ST Mat Bel Turma 1995.

  8. O procedimento da revista que esse militar esta usando acredito estar errado, pois ele esta armado com uma Arma longa, mas ai fica uma pergunta, o erro é só dele? O oficial que deu a instrução sabia o que estava ensinando? Ou ele disse que tava no sanhaço e passou a missão para um lobo da ESA. Quem estava coordenando a atividade com certeza falhou.

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