Emprego das Forças Armadas em ações que as desviam de suas funções é um grande risco

39023_resize_620_380_true_false_null
O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, voltou a tratar do problema do uso cada vez mais frequente das Forças Armadas em operações de segurança pública, o que demonstra a importância que os militares lhe dão e o tamanho da preocupação que ele acarreta. Foram duas manifestações em apenas duas semanas.
Desta vez, em entrevista a Tânia Monteiro, publicada pelo Estado, ele se estendeu mais sobre a questão – de forma clara e direta –, apontando os perigos que essas ações representam para a instituição, com a agravante de que não resolvem o problema.
Antes, em mensagem divulgada no Twitter dia 30 de dezembro passado, a ênfase foi na repetição das ações para Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Agora, um dos pontos principais é o que se refere ao risco de “contaminação das instituições” pelo crime organizado, que vai da sua interferência no processo político – com a colocação de pessoas ligadas à delinquência, ou mesmo chefes de quadrilhas, em cargos públicos importantes – à cooptação de pessoal das tropas empregadas naquelas ações.
Segundo o general Villas Bôas, o fato de “as facções criminosas do Rio e de São Paulo” se estenderem para outros Estados e sua relação com o narcotráfico em nível internacional dão-lhe uma força que aumenta muito aquela capacidade de contaminação.
Nesse caso, o comandante do Exército vai direto ao que interessa aos militares: “Há preocupação de contaminação das tropas, e por isso queremos evitar o uso frequente das Forças Armadas”.
Para comprovar que esse temor tem bases concretas, cita o que chama de “desvios” de integrantes das tropas em ação no Rio, registrados recentemente: “Foram pontuais, restritos a um ou outro indivíduo, de nível hierárquico baixo. Está infinitamente distante de representar um problema sistêmico ou institucional. Mas temos preocupação e estamos permanentemente atentos”.
É justamente porque o problema ainda não é grave, mas certamente virá a sê-lo, que é agora o momento certo de agir para evitar o pior. E a mais do que sabida capacidade de corrupção e cooptação do crime organizado, em especial o narcotráfico que movimenta somas fabulosas de dinheiro, justifica plenamente os temores expressos pelo general Villas Bôas.
Os exemplos dos cartéis da droga da América Latina, cujo poder de corrupção pode atingir todas as instituições do Estado, não deixam dúvida sobre isso.
Quanto à origem do problema da segurança pública, o comandante do Exército repete aquilo que todo mundo sabe, e há muito tempo: “Tem havido negligência em relação à segurança pública em grande parte dos Estados”. Uma negligência que persiste – pode-se acrescentar – mesmo com o agravamento constante da situação, o que demonstra o descaso das autoridades estaduais.
É como se, em vez de reagir ao perigo, elas preferissem a solução fácil de transferir o problema para o governo federal, por meio da utilização das Forças Armadas.
E o pior é que isso não resolve nada, pois “o simples emprego das Forças Armadas não tem capacidade, por si só, de solucionar os problemas de segurança pública que estamos vivendo”. Como se isso não bastasse, há um outro componente a ser levado em conta nessa questão e cujo risco não se deve menosprezar.
“Há preocupação de uso político das Forças Armadas com a proximidade das eleições, porque governos, não querendo sofrer desgastes políticos com a população e em determinadas situações por comodidade, solicitam intervenção federal”, afirma o comandante do Exército.
Em resumo, além do emprego das Forças Armadas em ações que as desviam de suas funções, e que por isso só se justificam excepcionalmente, e do risco de sua contaminação pelo crime organizado, há ainda a real possibilidade de seu uso político.
São demasiados riscos, que podem acarretar consequências nefastas para sua missão de defender a soberania nacional e garantir os poderes constitucionais. Daí a necessidade de ouvir com muita atenção a advertência do general Villas Bôas.
Uso em excesso das Forças Armadas preocupa autoridades¹

Recentemente, o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, solicitou o apoio das Forças Armadas para conter possíveis manifestações violentas que possam ocorrer no dia do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcado para o dia 24 de janeiro, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Além de esse pedido não ser viável, visto que tal decisão não cabe ao chefe do Executivo municipal, a solicitação causou desconforto no comando do Exército Brasileiro, que considera que ocorre uma “banalização” do uso das Forças Armadas no País.
O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, chegou a se manifestar no Twitter sobre o assunto, mostrando-se preocupado com o “constante emprego do Exército” em “intervenções” nos estados.
Ele destacou que, só no Rio Grande do Norte, as Forças Armadas foram chamadas três vezes em 18 meses. “A segurança pública precisa ser tratada pelos estados como prioridade “zero”. Os números da violência corroboram minhas palavras”, afirmou o general.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, também se mostrou contrário ao uso indiscriminado das Forças Armadas. O efetivo do Exército tem sido empregado em ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), instrumento excepcional, localizado e por tempo limitado, conforme descreveu o ministro.
“Às Forças Armadas, cabe a defesa e a soberania do País e, somente com autorização do presidente da República, a pedido de um governador, podem atuar, excepcionalmente, por tempo determinado”, explicou. Essa também é a condição que está expressa na legislação brasileira.
No entanto, as Forças Armadas foram acionadas 29 vezes, entre 2010 e 2017, para atuar na segurança pública de estados e do Distrito Federal. O caso mais recente foi no Rio Grande do Norte, quando o presidente Michel Temer autorizou o envio de 2 mil militares.
O motivo é a greve dos policiais e bombeiros, iniciada em 19 de dezembro do ano passado, e encerrada na quarta-feira da semana passada. Além disso, as Forças Armadas participaram de 15 operações integradas no Rio, no ano passado. As ações envolveram 31 mil militares e gastos de R$ 43 milhões. Segundo Jungmann, a operação de GLO no Rio é a mais longa desde a Constituição Federal de 1988.
Parte do motivo pelo qual as autoridades são contrárias ao emprego do Exército em situações tão corriqueiras é o simples fato de que o efetivo não está treinado para esse tipo de situação, como a atuação em manifestações populares.
“A tarefa do Exército não é essa, não tem nada a ver com segurança pública. Por isso mesmo, o próprio Exército e suas lideranças tem se manifestado contra essa banalização da utilização da força militar para tarefas de segurança pública”, explica o sociólogo e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo.
Ele argumenta que, embora exista a previsão legal da GLO, o fato de o Exército ter sido convocado tantas vezes “denota uma incapacidade dos órgãos responsáveis pela segurança pública em darem conta da sua tarefa”. Isso porque espera-se que a GLO seja utilizada em casos excepcionais, quando os estados realmente não conseguirem suprir a demanda – por exemplo, quando houver greve de policiais ou crises penitenciárias.
É exatamente por isso, justifica Azevedo, que foi criada a Força Nacional de Segurança (FNS), uma tentativa de reunir policiais que possam atuar em vários estados que se encontrem em situação de crise. No Rio Grande do Sul, um efetivo de 120 agentes da FNS está reforçando a segurança pública desde agosto de 2016. “Essa demanda para que o Exército entre em ação denota a falência da estrutura nacional. Falta um único sistema que integre tudo, a articulação federal, estadual e municipal. Esse sistema de hoje não está funcionando”, explica.
O que diz a lei que regulamenta o emprego das Forças Armadas no BrasilA Lei Complementar nº 97, de junho de 1999, define as normais gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
No artigo 15, fica definido que o emprego das Forças Armadas na defesa da pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do presidente da República.
Também fica definido que a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Tais instrumentos serão considerados esgotados quando o chefe do Poder Executivo federal ou estadual os declarar indisponíveis, inexistentes ou insuficientes.
Por fim, fica também definido que as Forças Armadas serão empregadas “de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado”.
Banalização do uso do Exército desestimula políticas estaduaisCom a intenção de apoiar políticas públicas que contribuam para a redução da violência letal e patrimonial, o Instituto Sou da Paz também vê com preocupação o excesso de participação militar na segurança pública. “Se banalizamos esse uso, toda vez que o pedido for aprovado, os governantes ficam desestimulados a resolver o problema.
Esses pedidos devem ser criteriosos, e a análise da concessão deve ser mais rigorosa ainda”, opina o gerente de Sistemas de Justiça e Segurança Pública, Bruno Langeani. Ele também ressalta que a constante presença de militares nas ruas pode causar um desgaste de imagem das Forças Armadas junto à população. “É um tipo de solução que praticamente não tem nenhum vencedor, todo mundo perde.”
No entanto, Langeani reconhece que os governos estaduais podem se ver obrigados a recorrer ao Exército em situações extremas, porque o recurso da FNS também possui limitações. “São operações muito caras, que retiram homens das polícias estaduais, e o uso desse emprego se dá a partir do pagamento de diárias. Além de extremamente custosa, é uma força que não é muito rápida”, pondera. Os custos envolvendo operações da Força Nacional são do governo federal.
Para ambos, o pedido de Marchezan foi inconsequente e indevido. “Não cabe a ele e já estava havendo tratativas do Gabinete de Crise. Essa manifestação foi infeliz, houve uma utilização política para a ocupação de espaço de um prefeito que tem uma base eleitoral pautada por essa polarização política”, afirma Azevedo. Para Langeani, o pedido demonstrou “leviandade” por parte do prefeito, uma vez que essa não era uma atribuição dele – algo que o próprio Marchezan reconheceu, mais tarde.

¹Suzy Scarton – Jornal do Commercio (ES)
DEFESANET/montedo.com

20 respostas

  1. Não adianta o Cmt do EB não querer o uso das FA na segurança pública, a sociedade brasileira quer. Com o aumento da criminalidade e o crime organizado atuando em todo o país de forma organizado e a crise econômica dos estados com atraso de salários as forças de segurança. A sociedade brasileira não quer pagar a 200 mil militares que fiquem aquartelados fazendo ordem unida e atividades físicas das 7 às 5 da tarde, e ainda querem aumento . Essa é a realidade.

    1. Camarada anônimo 18 JAN 18 dás 09:42. A regra é clara: a atuação das Forças Armadas ocorrerá após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (Polícias Militares, Civis e Federais; Bombeiros militares; FNS). E tal legislação é, tb, para as outras "missões" que o Governo Federal determina nossa atuação: "combate" ao mosquito transmissor da dengue; corte de mato e poda de árvore de em praça pública; vacinação de cães e gatos; montagem e utilização de meios e pessoal para corridas diversas (a maioria, privadas!!!!); etc. ST Mat Bel Turma 1995.

  2. Ao anônimo do primeiro comentário

    A sociedade quer segurança ou quer mudar a rotina dos militares???

    Que comentário mais ridículo esse teu! Tu és um militar frustrado isso sim!
    Por favor, na próxima vez escreva algo mais coerente com a realidade do Brasil.

    1. Gasto com militares aquartelados, brincando de tirar serviço e fazer sindicância, amigo ganhamos muito pelo que fizemos sim muito, não ajudamos nem nós mesmos o Sr sabe disso, depois reclama que ganha pouco? Comemos bebemos e não produzimos nada mais que lixo.

  3. Quer o Exercito fazendo trabalho de policia? Facil 40% de aumento (periculosidade), treinamento adequado a pratica policial, escala igual da PF ou PRF ou seja 24/72, armamento adequado e novo, viaturas novas.

  4. O DESVIO DE FINALIDADE eh algo patente no EB…. nao nos formamos na AMAN pra limpar pracas, limpar rios….matar mosquito da dengue….entre mil e uma outras utilidades igual ao bombril.
    Desmotivante demais….

    1. Oba então vamos fazer guerra, agora contra quem? Paraguai, Venezuela, Bolívia. Quando o Brasil foi chamado pelo EUA para fazer parte da coalizão contra o Iraque ou Afeganistão não quis ir. E por mais que o pessoal reclama FA é pau para toda a obra

  5. Agora que pedem para usar as FFAA contra o padrinho do min def e cmt Ex, surge a conotação de banalização, etc…
    Também esperam a candidatura da madrinha, por isto mesmo de cadeira quer esperar.
    IV

  6. Comandante,

    Vamos profissionalizar nosso EB. Acabar com esse lenga-lenga, precisamos ter poder de POLÍCIA 24h, em todo território NACIONAL, não apenas nas linhas de fronteiras e/ou em operações de GLO.
    Vamos fazer uso da RESERVA PRÓ-ATIVA.
    Pátria! Brasil!

  7. É interessante observar que as Forças Armadas possue 3 órgãos para realizar as suas funções e da segurança pública que é constituída por 5 órgãos e mais outras funções em que a lei complementar determinar.

    Outro fato interessante é que a Lei Complementar assegura o emprego das forças armadas somente no que foi preparada, isto é óbvio, as forças armadas somente poderiam atuar na segurança pública ou outra missão na qual foi preparada para isso, com as devidas instruções e materiais adequados.

    Constitucionalmente as forças armadas somente podem atuar na segurança pública se receberam a preparação para isso é também possuem os materiais necessários para o seu emprego, caso contrário seria inconstitucional o seu emprego.

    Função da segurança pública: preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

    Função das Forças Armadas: destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

    § 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

    CAPÍTULO III
    DA SEGURANÇA PÚBLICA

    Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

    I – polícia federal;

    II – polícia rodoviária federal;

    III – polícia ferroviária federal;

    IV – polícias civis;

    V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

    DAS FORÇAS ARMADAS

    Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

    § 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas

  8. É fácil de resolver, é só colocarem as Forças Armadas no Art. 144 da Constituição, portanto iguala-las aos outros órgãos de segurança pública com funções e salários iguais aos das policias federais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo