Brasileiro treina na Amazônia com Legião Estrangeira: ‘Quero lutar contra o Estado Islâmico’

Gerardo Lissardy
Enviado especial da BBC Mundo à Guiana Francesa
É meia-noite na selva da Guiana Francesa e o brasileiro Júlio César começa a se lembrar do dia em que decidiu se alistar na Legião Estrangeira: “Toda minha família se reuniu para me dizer: o que você vai fazer lá?”
Afinal, essa tropa do Exército francês teve, durante muito tempo, a fama de reunir criminosos, assassinos, sádicos e afins.
Mas Júlio César, que nem sequer era militar, ignorou os questionamentos de seus parentes e seguiu com a ideia, inspirado por uma reportagem sobre um legionário na TV quando morava no Rio.
Onze anos mais tarde, aos 35 anos, ele relata as situações extremas que enfrentou na Legião Estrangeira.
Um delas foi carregar um soldado nas costas enquanto afundava em um local com areia movediça. Ou quando foi enviado ao Afeganistão, onde se envolveu em um “intenso combate”.
Há um ano e meio ele vive na Guiana Francesa, onde os legionários são submetidos a um dos treinamentos militares de sobrevivência na selva mais duros que existem.
O treinamento inclui dias de imersão na floresta, sem nada para comer além dos animais e frutos locais. Diariamente, é preciso caminhar dezenas de quilômetros sob calor e umidade intensos ou nadar em rios com jacarés.
De cabeça raspada, boina verde e farda camuflada, Júlio César agora também é francês e sargento-chefe da Legião. Ele não sabe qual será sua próxima missão.
“Se meus superiores me mandarem para uma missão contra o Estado Islâmico, irei com certeza”, diz ele, em referência ao grupo extremista contra o qual a França declarou guerra após os ataques de novembro em Paris , que deixaram 130 mortos. “Tenho vontade de ir.”
Leopardo
A primeira coisa que chama atenção ao se entrar no escritório do coronal Jérôme Ransan na localidade franco-guianense de Kouru é um leopardo empalhado.
Sentado em sua poltrona, o oficial de 44 anos, que comanda o Terceiro Regimento Estrangeiro de Infantaria (3º REI), afirma que a Legião Estrangeira tem o mesmo objetivo desde que foi criada, em 1831: ser uma tropa de combate a serviço da França, integrada por voluntários de vários países.
Atualmente, há quase 150 nacionalidades diferentes entre seus 7.800 homens – e Ransan afirma que os serviços de segurança francesa verificam seus antecedentes criminais.
“Hoje, a Legião Estrangeira não aceita criminosos, nem pessoas processadas por crimes ligados a drogas, assassinatos ou violações.”
No entanto, os candidatos podem solicitar que sejam recrutados com uma identidade diferente quando se apresentam pela primeira vez.
Um folheto da legião explica que isso “oferece uma segunda oportunidade a quem quer virar um página e estiver em busca de um novo começo”.
Quando conversam com a imprensa, os legionários podem revelar apenas seu primeiro nome – algo que, segundo os superiores, se deve às ameaças extremistas que a França enfrenta.
‘Não sou mercenário’
A trajetória dos legionários reflete bem a evolução dos conflitos no mundo: receberam ex-combatentes das guerras civis da Rússia nos anos 1920 e da Espanha nos anos 1930, e, depois da Segunda Guerra Mundial, vários alemães.
Hoje, boa parte do contingente vem de países da ex-União Soviética, da Europa central e dos Bálcãs.
Os latino-americanos são 9% da força e vêm de locais desde o norte do México até o sul do Chile.
Leia também: Britânica que teve rosto deformado por infecção conta como ‘namoro na TV’ lhe devolveu autoconfiança
“Não sou mercenário”, diz o cabo-chefe Alex, um sérvio de 37 anos que, durante seus 10 anos na Legião, combateu em conflitos como os da ex-Iugoslávia.
“Não estou aqui para matar alguém; recebo meu salário no fim do mês”, diz o legionário, em voz baixa, marchando com um fuzil durante uma patrulha noturna antes do lançamento de um satélite em Kourou.
O contingente militar montado no começo do mês para o transporte de um satélite europeu mobilizou centenas de legionários.
Estão ali também um russo, que prefere não dizer seu nome e o chinês Zhihao, que tem 33 anos e carrega um fuzil de quase quatro quilos em marchas de 40 quilômetros. “Você se acostuma”, diz ele em francês com um sotaque próprio.
A transformação dos legionários para atuar na floresta ocorre no acampamento Szutz, um centro de treinamento na Guiana Francesa que também treina unidades de outros países.
“A selva é o lugar mais difícil que existe”, diz Adrián, legionário espanhol de 21 anos. “Te falam que não tem comida nem água. Há uma pressão psicológica: desmoraliza os soldados, mas para fazê-los mais fortes.”
Conta que entre os animais que comem está a cutia, roedor comum na região. “Você espeta o animal, põe no fogo e…é uma delícia”.
Hélmer, um português de 25 anos, recorda o dia em passava “muita fome” e cruzou com uma serpente no caminho. “A serpente queria me atacar, mas eu queria come-la. Comecei a correr atrás dela e ela fugiu. De todos os bichos que encontramos na selva, o mais gostoso, pra mim, é o jacaré”.
Os legionários também citam uma longa lista de perigos na floresta: de escorpiões a macacos grandes, que jogam galhos do alto das árvores, além de insetos que transmitem malária e outras doenças perigosas.
Da Argélia à Indochina
A Legião Estrangeira participou de combates em vários lugares do mundo, do seu batismo de fogo na Argélia até o México do século 19, passando pela Indochina e Djibouti no século 20.
Passou de missões de defesa em antigas colônias francesas a intervenções em conflitos atuais, seja em países enfrentando crises humanitárias ou apoiando governos aliados de Paris.
O cabo-chefe mexicano Edgar, de 41 anos, já foi enviado ao Afeganistão, Chade e Kosovo. Ele conta que agora chegam muitos recrutas sem experiência militar. “Eles são necessários porque a diversidade é o que faz a força da Legião. Muitos vêm animados com os supersalários, mas quebram uma perna ou outra e não duram muito.”
“Se pode ganhar 2.400 euros (US$ 2.600) por mês”, diz venezuelano
O salário é realmente um dos principais motivos para o alistamento.
Kristian, um legionário venezuelano, conta que seu salário base é de 1.600 euros, mas quando está em campo ganha 30 euros extras por dia. “No final, se pode ganhar 2.400 euros (US$ 2.600) por mês”, diz.
Além disso, após cinco anos, é possível pedir a naturalização francesa ou, após 17 anos e meio, receber uma pensão.
Mas outros contam que entraram na Legião Estrangeira em busca de aventuras, como o cabo Juan, chileno de 31 anos que trabalhava em plataformas de petróleo na Patagônia e que queria “mudar o ritmo de vida”.
“Aprendi o que é o rigor da vida militar”, comenta, após cinco anos de serviço e missões no Mali, Costa do Marfim e Djibouti.
“Te levam ao limite”.
Na Guiana Francesa, onde o Terceiro Regimento Estrangeiro de Infantaria (3º REI) está desde 1973 e 50 homens perderam suas vidas, os legionários também participam de operações na selva contra a exploração clandestina de ouro, atividade bastante comum na região.
O peruano Julio se lembra de quando, treinando para missões deste tipo, foi deixado, juntamente com outros nove legionários e quatro policiais franceses, por um helicóptero no meio da selva para que aprendessem a retornar à base.
A vegetação era tão impenetrável que resolveram se lançar, de mochila e tudo, a um rio repleto de jacarés. Flutuaram por três dias na corrente, até conseguirem voltar para a base.
“Muita gente tem a imagem de que só há loucos aqui. Encontrei alguns loucos, sim. Mas não todos”, diz peruano
Aos 34 anos, com uma medalha pelos serviços no Afeganistão e cidadania francesa, Julio conta que passou de jardineiro em sua vida civil a sargento. Ele nega com veemência que a Legião seja algo “abominável”, como muitos dizem.
“Muita gente tem a imagem de que só há loucos aqui. Encontrei alguns loucos, sim. Mas não todos.”
BBC Brasil/montedo.com

11 respostas

    1. Vc deve estar muito satisfeito, muito feliz mesmo….deves ser da turminha que leciona na "UNISQUINA" para complementar a renda (de oficial, não creio que praça tenha esse sórdido e conformista pensamento) e faz propaganda pró EB lá dentro. Está tudo maravilhoso na força… Tem SD PM ganhando mais que ST do EB, transferências à revelia e sem finalidade, prejudicando famílias inteiras e sem suporte (o valor defasado em 20 anos de AJ de Custo e bagagem pouco ajuda), situação incerta das praças que atualmente têm garantia de 3 promoções em 30 anos de SV (2° Sgt, 1° Sgt e ST), tudo "perfeito".

  1. Aos que reclamam que as FFAA brasileiras não são de nada e se dizem machões esta ai a oportunidade de ir para a Legião Estrangeira. Isso é se aguentarem pois lá é exercito de verdade onde não existe choro e nem direitos humanos, muito diferente do Brasil.
    Lá ganha se muito bem, porem se trabalha de verdade, basta os leões de alojamento se candidatar e ter coragem de encarar a oportunidade.

  2. Fico vendo estes comentarios de aumento salarial que os milirares ficam postando e fico pensando…
    Cada um esta nas FFAA porque quer, quem não quer que busque algo e de a vaga a alguem que queira.
    Logico que quanto mais poder ganhar melhor isso é logico, porem não acho que um salario de 3.500 de um 3° SGT seja ruim para quem tem 2° grau completo, basta ver a realidade de nosso pais. Qualquer emprego ai fora de nivel superior é este salario e trabalhando muito mais…
    Vamos parar e pensar um pouco.

    1. Companheiro, VC deve ser oficial pelo visto, se VC acha que as praças trabalham pouco, saiba que os de seu círculo muito menos o fazem, pois assinam documentos confeccionados por graduados, reunem-se para dar bom dia ao CMT, e para dar avisos nas formaturas. Particularmente acho pouco o que a força oferece, a quem dedica a vida e sacrifica o bem estar da família indo de um lugar a outro, sendo movimentado à revelia muitas vezes ou sendo atendido na 24° opção, sem direitos a que faz juz um servidor público de outra esfera. Tente sobreviver em uma capital com esses excepcionais 3500 reais. Pensamento egoísta, e conformista típico de oficial, sugerir que se procure outra ocupação. O nobre oficial já ficou 9 anos em fila de PNR? Já ficou 8 anos em GU de difícil recompletamento esperando ser movimentado? Creio que não…boa sorte no seu "mundo encantado" que lhe foi apresentado na academia, saiba que manobrista de estacionamento em BSB, e Técnico em Seg do trabalho de muitas capitais ganham mais que VC.

  3. Sem guerrinha de postos e graduações por favor …

    A questão aqui, não é quem está com a vida equilibrada, porque possui outros meios de sobrevivencia ou porque come arroz e feijão em casa e não vive.

    Mas sim a inflação que desde 1º Mar 12, ultimo reajuste, já estava em 29,44% até 30 Non 15.

    Estamos perdendo desde o primeiro parcelamento em Set 2005, depois em 2008, depois em 2012, e agora até 2019, com a inflação corroendo a nossa remuneração na velocidade de 10% ao ano.

    UNIÃO! UNÃO ! UNIÃO.

    Se liguem ! A cabeça é para pensar.

    APÓS O REAJUSTE DE 1º MAR 12, COMEÇOU CONTAR A INFLAÇÃO DE NOVO.

    Não temos que agradecer nada e muito menos essa esmola (migalhas) defasada. Desde 1º Mar 12 até 30 Nov a inflação já deu 29,44%.

    ==> O reajuste deveria ser parcela única.

    Não tem essa de pingar é melhor do que nada. O melhor é o justo. Já perdemos quase 30% desde 1º Mar 12.

    ==> Tudo subiu: juros, gás, aluguel, combustíveis, mercado, escolas e não foi 5,5% nãaooooo !!!

    Ate Set proximo perderemos mais uns 10%. Vc acha que ta bom ?

    * ESSE ALERTA É PARA VC E PARA MUITOS QUE COMENTAM AQUI. BAH !!!

    CADÊ PNR PRÁ TODO MUNDO ?

  4. Companheiro das 07:39
    Reitero minha sugestão, pois na própria reportagem comprova q na Legião Estrangeira a meritocracia funciona: o entrevistado brasileiro tem ONZE anos na Força é hoje é Sargento-Chefe (Penúltimo Posto de Sargentos Superiores). Mas como ele mesmo relata, ñ foi reclamando no alojamento das transferências à revelia ou dos obscuros critérios para a promoção das Praças Graduadas.

  5. Verdade, meritocracia no EB é coisa para oficiais…para praças, tanto os que reclamam quanto para aqueles com resignação de escravo, essa palavra e seu efeito é estranha e fugaz. Com onze anos de força, eu ainda tirava CMT da gda, com vinte quem sabe eu suba para adj. É o reconhecimento da força, bem vindo a cada 08 anos (praças), e com adicional de 300 reais líquidos (que o leão não come). E aí senhor da verdade…falei alguma mentira?

  6. Não. Não há nenhuma mentira em suas palavras. Porém, recorro, as palavras do Sr Sargento-Chefe Júlio César: "Quero lutar contra o Estado Islâmico"!!!! Ele NÃO disse: "Quero ir para o Haiti" ou "Quero servir só na minha cidade" ou "Quero receber salário de Cargo de NS da esfera federal"!!
    Então companheiro, falei alguma mentira?

  7. Não tem jeito com esses postulantes a adjunto do comando… A auto satisfação deles é imbatível… Mas duvido que eles vivam com recursos exclusivos do meio(como manda a constituição – não merece letra maiúscula…) Ou tenham família para sustentar, sem uma esposa que ganhe muito mais que eles. O fato ignorado é o seguinte: com o salário da Legião, não haveria leões de alojamento. Então, os verdadeiros hipócritas são os paladinos do EB, pois esses de uma forma ou de outra, escaparam, por vias não muito ortodoxas, das trincheiras militares… Eu, inclusive, já vi cumpanheiros ("u" não acidental) se gabarem de estarem colados com mulher bem dotada (financeiramente, é claro…), e isso não fere o militar somente, mas antes o Homem (ou seria um rato?) Finalizando: Os leões de alojamento não tem o que se envergonhar, pois na maioria das vezes, suas reclamações são justas, e estes não tem como leva-las a quem de direito… Sobrando somente seus companheiros como ouvidos amigos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo