Os militares e a democracia: o editorial do Estadão e seu erro primário

Os militares e a democracia

Editorial
Não é raro pôr­-se a culpa por boa parte dos males nacionais nas Forças Armadas, tendo em vista o período que o País viveu sob a ditadura militar. A falta de democracia, a censura, a tortura, o desrespeito aos direitos humanos não são coisas para se orgulhar.
Reconhecer essa realidade não significa, no entanto, fechar os olhos ao fato de que, nas últimas décadas, se operou uma profunda e positiva transformação dos militares e de sua mentalidade. Entenderam o seu papel institucional dentro de uma democracia, sabendo deixar a condução do País à sociedade civil.
Mesmo diante de uma grave crise – como é a atual, que afeta não apenas a economia e a política, mas toda a vida social –, não há risco de golpe militar. E isso é um enorme bem institucional. Os quartéis estão centrados em seu dever profissional, e sabem que a solução da crise não virá pelo uso da força militar. Tal panorama confere um ambiente de serenidade, que permite que todas as instituições trabalhem dentro de uma saudável normalidade.
Não é nos quartéis que se fala em golpe hoje em dia. O alerta que às vezes se ouve sobre o “risco de golpe” é mera tática política, de quem quer amedrontar a população, como se fosse essa a ameaça à legitimidade democrática – e não é. Essa, por sinal, é uma tática bem pouco democrática. A democracia exige responsabilidade com as palavras.
Infelizmente, porém, já começam a procurar os quartéis aqueles tipos que o marechal Castelo Branco chamava de “vivandeiras”. São políticos e empresários que tentam seduzir os militares para que enveredem nos descaminhos da aventura política. Têm sido sistematicamente repelidos.
Sim, o País vive uma crise política, econômica e moral, mas a corrosão de certos hábitos e costumes estimulados nos últimos 13 anos ainda não deturpou as características democráticas das instituições. Obviamente, elas operam com muitas falhas. Mas o importante é que, mesmo com essas falhas, o que se está buscando é o cumprimento da lei e a realização da vontade da maioria expressa por seus
legítimos representantes – como deve ser numa democracia.
Exemplo disso é a ação, atualmente em curso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que analisa a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Não se trata de uma tentativa enviesada de mudar o resultado do voto. É uma medida juridicamente legítima para apurar a lisura constitucional do resultado oficial. Qualquer que seja a decisão do julgamento, a democracia brasileira sairá mais forte.
Trata-­se de uma busca por aperfeiçoar a democracia, não para tolhê­-la.
As atuais lideranças civis muito podem aprender com a atitude dos militares. Em primeiro lugar, têm eles um cuidadoso respeito pela Constituição. Trata­se de reconhecer que a vontade política de cada um deve se submeter aos limites legais. Não vale, num Estado Democrático de Direito, a máxima relativista de que os fins justificam os meios. Essa foi uma lição que os militares dão mostras de terem aprendido após a ditadura e que muitas lideranças partidárias têm enorme dificuldade de absorver. Pensam que, se é pela causa, tudo pode ser feito – e tratam esse “tudo” como se meritório fosse. Não foi essa a reação do PT diante da condenação pelo Supremo Tribunal Federal de importantes líderes petistas na ação penal do mensalão e, agora, com o escândalo da Petrobrás?
Outra lição que os militares aprenderam – e agora ensinam pelo exemplo – é que a democracia exige que cada um assuma suas responsabilidades. Os militares entenderam bem quais são suas responsabilidades institucionais dentro do regime democrático. O mesmo, no entanto, não se pode dizer de muitas lideranças partidárias, que atuam como se democracia fosse sinônimo de responsabilidade.
A volta dos militares aos quartéis foi um lado da moeda. O outro é a tomada de consciência por parte da sociedade civil – muito especialmente, de seus representantes – de que a condução do País está em suas mãos, só em suas mãos, e não se deve esperar que a solução da crise seja tramada nos quartéis e imposta por um taumaturgo.
Os militares têm dado um excelente exemplo de como se comportar numa democracia. Agem dentro da lei e com responsabilidade e são um fator de estabilidade democrática.
O ESTADO DE SÃO PAULO

Comento
Não tenho reparos ao tema central do texto, mas registro o equívoco grosseiro no editorial de um dos maiores jornais do País: num erro craso, claramente, o redator refere-se à ‘sociedade civil’ como expressão oposta a uma subentendida – e suposta! – sociedade militar.
Desde que foi cunhado pelo filósofo escocês Adam Fergunson, em 1767, o termo ‘sociedade civil’ ou ainda, ‘sociedade civil organizada’ foi  alvo de interpretações distintas por vários pensadores, como Kant, Tocqueville, Hegel e Gramsci. As diversas conceituações, entretanto, jamais divorciaram-se do foco primário, ou seja, de que ela é  representada por instituições que não integram o governo. Portanto, seu contraponto é o Estado, não os militares. Alguns exemplos, segundo a Wikipédia:

  • Associações profissionais
  • Clubes cívicos
  • Clubes sociais e esportivos
  • Cooperativas
  • Corporações
  • Grupos ambientalistas
  • Grupos por gênero, culturais e religiosos
  • Instituições de benemerência
  • Instituições políticas
  • Órgãos de defesa do consumidor 


Pensando bem…
Nem o Estadão, do alto de seus 140 anos, resiste incólume ao jornalismo raso que se pratica na imprensa brasileira de nossos dias.

8 respostas

  1. Teu comentário foi perfeito!
    O textículo (copyright by Janer Cristaldo) também peca ao voltar a bater na velha tecla da diferenciação dos "militares de hoje e militares do passado".
    Uma pena que o velho Estadão dê mostras de que também está se rendendo às necessidades das verbas governamentais!

  2. De fato, uma saudável normalidade permeia o país. Crime organizado, 60 mil assassinatos por ano, caminho das drogas para o mundo, estatais como cofres fortes da política e seus administradores, evasão de divisas para financiamento de ditaduras, jurisprudência substituindo as leis… xiii… ano que vem já seremos a 10ª economia do mundo. Nem o Estadão percebeu que Gramsci está dando as ordens dentro das redações de toda a grande mídia. Não sei se é o medo ou o dinheiro.

  3. Sou sargento e na minha humilde opinião, o maior erro dos militares foi não usar os veículos de manipulação de massas (TV e rádios principalmente), pra conscientizar a população brasileira dos "males" de um governo comunista, tão combatido na época. Não foi feita a propaganda. Se o povo brasileiro é mal informado nos dias de hoje, imagina naquela época… Seria mais fácil ensinar uma população mais "burra" naqueles tempos. Ao contrário do que pregava o governo, a propaganda estava sendo feita dentro das universidades brasileiras, debaixo das barbas dos generais, angariando mais adeptos àquele regime, e nada foi feito. Digo a propaganda pró-comunismo. Agora, aqueles mesmos que era estudantes naquela época, ocupam os mais diversos cargos de alto escalão do nosso governo. Um deles é o nosso Ministro da Defesa. Paga-se o preço agora por erros do passado! Op Psico é essencial numa guerra ideológica.

  4. Enquanto As Forças Armadas¨aprenderam como se portar em uma democracia¨, essa dita Sociedade Civil¨ saqueou e continua saqueando o Brasil, locupletando-se em paraísos fiscais mundo afora, tentando – só tentando- denegrir cada vez mais a imagem das mesmas,retirando o mínimo necessário de uma remuneração compatível com a riqueza deste país-maravilha; elevou-se o ganho de muitas, mas muitas categorias das Carreiras de Estado e tentam humilhar, dia após dia, ano após ano, os integrantes das Forças Armadas com vencimentos beirando ao ridículo. Eu estarei vivo para combater esse exércitozinho do Stédile.Como espero ansioso por isso. Ratos de Porão. Guabirus infectados.

  5. muito engraçado um civil querer dizer como são os militares e ainda mais os "de hoje". Patético! Me considero com o mesmo pensamento dos militares "de ontem", até pq os valores da instituição são imutáveis!

  6. Enviei para o Estadão! Editorial gramscista eivado de meias verdades!
    Em março de 1964 o Brasil assistiu a uma reação democrática a qual se seguiu um regime de exceção até 1985 e que historiadores subdividem em pelos menos três fases. Assim, logo em suas duas primeiras frases as meia verdades imperam. O prosseguimento do parágrafo é pior. Não houve mudança alguma na mentalidade dos militares, pois a grande maioria, quase a totalidade nunca se afastou das suas atividades do dia a dia. Um reduzido efetivo participou, junto a outros agentes do Estado, da guerra interna que o terror e a guerrilha desencadeou, em especial no período 1968/1974. Ao final do parágrafo Gramsci surge em sua plenitude: sociedade CIVIL. Qual é a outra sociedade que o editor conhece? Existe uma sociedade militar? Cumprindo o seu papel constitucional por certo os órgãos de inteligência das Forças Armadas devem estar acompanhando com preocupação a deterioração da situação política, econômica e social e os seus possíveis reflexos para a segurança dos cidadãos do país. Se os editores do jornal identificam "vivandeiras" de qualquer segmento da sociedade brasileira deve contribuir para identificá-los e desmascará-los, estampando seus nomes no jornal. Os militares não podem ter voltado aos quartéis porque dele nunca saíram. E, sim, cumprirão a Constituição, como sempre o fizeram. O art 142 estabelece as condições desta atuação. Leiam e interpretem.

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