Tráfico e uso de drogas em quartéis atingem auge nos últimos 12 anos

Recrutas de 18 anos são maioria; crescem apreensões de cocaína e crack.
Defensoria quer que STF descriminalize usuário das Forças Armadas.

Tahiane Stochero
Do G1, em São Paulo
Levantamento inédito realizado pelo Superior Tribunal Militar (STM) e obtido pelo G1 mostra que os casos de uso, tráfico e porte de drogas nas Forças Armadas aumentaram 337,5% nos últimos 12 anos.
Enquanto que, em 2002, foram registrados 64 processos em unidades militares, em 2014 foram registrados 280 casos, o maior número desde que a análise é feita.
Desse total, 36% dos envolvidos no período analisado estavam trabalhando no momento do crime, e 20% deles estavam armados.
Em 2015, até o dia 3 de setembro, já haviam sido registradas 169 ações por posse, uso ou comércio de drogas dentro de unidades militares.
Riscos
Juízes e procuradores militares se dizem preocupados diante dos riscos da ligação de drogas com homens armados. Em meio à discussão nos tribunais, a Defensoria Pública da União defende que, acompanhando o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de ação para deixar de penalizar o porte de drogas, haja também a descriminalização do usuário militar.
A Defensoria Pública atua na defesa de militares tanto no âmbito civil quanto no militar, que são esferas diferentes de jurisdição: ao contrário dos civis, que respondem por crimes previstos no Código Penal, os militares respondem a crimes previstos no Código Penal Militar, de 1969, e são julgados por uma tribunal independente, a Justiça Militar (leia mais abaixo).
O Supremo começou a discutir a questão, mas o julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas foi suspenso no STF em 10 de setembro, após três ministros votarem a favor de usuários poderem ter para uso pessoal certa quantidade de droga. Ainda não há data para o julgamento ser retomado.
“Os números que descobrimos nesta pesquisa são surpreendentes: nos mostram que o aumento médio anual chegou a 20% nos últimos anos, o que está nos preocupando”, afirma o general Fernando Sérgio Galvão, ministro do STM, que coordenou a pesquisa.
“Cerca de 95% dos flagrados são soldados temporários e recrutas [que prestam serviço obrigatório de um ano], solteiros, com ensino fundamental completo e na faixa dos 18, 19 anos. Uma garotada nova e imatura ainda”, acrescenta o ministro.
Mas há exceções. Em duas situações recentes houve apreensões maiores, com flagrante de 150 e 32 pacotes/trouxinhas de cocaína. “Ficou na cara que não era para consumo próprio”, afirma o general.
Drogas nos quarteis (Foto: STM’)
Tanto o Ministério Público Militar quanto juízes do STM ouvidos pelo G1 dizem temer que, se o STF descriminalizar o usuário de drogas civil, haverá uma enxurrada de pedidos de advogados buscando a equiparação dos direitos para os militares. Do outro lado está a Defensoria, que busca que militares possuam os mesmos direitos previstos aos civis nesta questão.
Drogas nos quarteis (Foto: STM')Perfil dos envolvidos
Segundo o levantamento, 40% dos envolvidos são de unidades do Exército, e 17% dos casos foram registrados no Rio Grande do Sul – maior percentual entre estados. As regiões Sul e Sudeste tiveram, respectivamente, 34,5% e 34,9% das ocorrências.
A maconha é a droga mais comum, com 81,6% dos registros. Mas, nos últimos 5 anos, vem caindo, diante do aumento da presença da cocaína, quase 20% em 2013, e do crack, que atingiu 10% das apreensões em 2011.
As diferenças na legislação civil e militar
Código Penal – aplicado para civis
O artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, pune com medidas alternativas quem adquirir, guardar, tiver em depósito ou trouxer consigo drogas para consumo pessoal. O juiz pode aplicar uma advertência, determinar a prestação de serviços à comunidade ou o comparecimento a um curso educativo.
Código Penal Militar – aplicado a militares
Quem for flagrado com drogas em um quartel, seja ele usuário ou traficante, é punido da mesma forma. O artigo 290 prevê pena de reclusão de até 5 anos para quem receber, preparar, produzir, vender, ministrar, transportar, guardar, ou trazer consigo, ainda que para uso próprio.
Na Marinha, a preocupação com o uso de drogas levou à criação de um programa de assistência e orientação – que, em 2014, tinha 75 pacientes.
Já no Exército, foi criado em janeiro deste ano um programa de prevenção à dependência química, que ainda está em fase de implantação em todas as unidades brasileiras.

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Atividades militares
Procuradores e juízes militares defendem que, mesmo diante de uma decisão do STF pela liberação do porte de drogas, deveria ser mantida a diferenciação de tratamento para militares.
“Essa possibilidade [dos militares usuários de drogas pedirem igualdade de direitos] existe sempre que há uma diferenciação no tratamento dos crimes entre o Código Penal e o Código Penal Militar. No caso, não há uma desigualdade de direito, mas uma diferença no tratamento em razão das especificidades das atividades militares”, afirma o procurador-geral de Justiça Militar, Marcelo Weitzel.
Punições diferentes
Atualmente, as penas para militares e civis em crimes envolvendo drogas é bem diferente. O Codigo Penal Militar prevê pena de reclusão de até 5 anos, tanto para quem vende quanto para quem porta drogas para consumo pessoal.
Já a Lei de Drogas, de 2006, prevê uma advertência e a prestação de serviços à comunidade ou realização de curso educativo para os civis flagrados portando drogas para consumo próprio.
“A questão, no meio militar, deve ser enquadrada com maior rigor. A posse de drogas, mesmo que em pequena quantidade, oferece risco à hierarquia e à disciplina militar, como também enorme risco a incolumidade física das pessoas”, diz o procurador-geral Marcelo Weitzel.
Ele salienta que houve o registro de guardas armados de quartéis flagrados usando drogas.
Para a ministra do STM Maria Elizabeth Rocha, a discussão inquieta, mesmo não cabendo igualdade de direitos.
“Em tese, se for descriminalizado o uso e a posse de drogas para os cidadãos brasileiros, isso não interferiria no contexto militar, pois somos regidos por uma lei especial. Mas fica a nossa preocupação de que sempre haverá pedido para que haja isonomia”, diz ela.
Para a ministra, não há como comparar o ato de fumar um cigarro de maconha no ambiente militar e no civil, entre amigos. “Imagine um controlador de tráfego aéreo que fumou maconha, o perigo que isso representa à aviação”, afirma Elizabeth Rocha.
Bituca no bolso
A defensora pública Tatiana Siqueira Lemos defende militares acusados de porte de drogas tanto na Justiça Militar quanto no STF, a última instância de recurso. Ela tem buscando no Supremo a equiparação com os direitos previstos aos usuários civis na questão para os soldados.
Até o momento, não conseguiu uma vitória. Tanto ela quando o Ministério Público Militar afirmam que o Supremo tem entendido que a lei militar prevalece para os quartéis e que não é possível aplicar o Código Penal, imposto aos cidadãos brasileiros, para os militares.
Um dos casos que a defensora diz ter ficado bastante “irritada” foi a condenação de um recruta de 18 anos que fumou um cigarro de maconha na rua e entrou no quartel com a bituca no bolso.
Segundo ela, a condenação do jovem, que ficará com a ficha criminal marcada, o prejudica para arrumar um emprego ao retornar à sociedade como civil.
“A bituca no bolso não tinha a menor potencialidade de entorpecer. Ele simplesmente esqueceu de pôr no lixo e depois vai ter dificuldades pelo resto da vida, tendo sido punido por algo que o STF pode até dizer que não é crime”, afirma.
“Com certeza, se o STF mesmo disser que o porte de drogas não é crime, não há por que ser mais para os militares também. Vamos defender que, para todos, é necessária igualdade de direitos, alegando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade da pena”, diz.
Questionado sobre a expansão de seu voto aos militares, o ministro Gilmar Mendes, relator do processo no Supremo, respondeu ao G1, através da assessoria do STF, que a matéria tratada em seu voto se limita à constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. “Desse modo, não há qualquer referência [na discussão no Supremo] ao porte de drogas para uso pessoal em ambiente sujeito à administração militar, pois a norma aplicada nesse caso é diferente – Código Penal Militar”, afirmou.
Revisão das leis
Em maio, o STM apresentou ao Congresso Nacional uma proposta de revisão do Código Penal Militar, tentando separar o usuário do traficante.
A ideia é que quem seja flagrado produzindo, empacotando ou vendendo drogas em quartéis tenha uma pena mais rigorosa – reclusão de 5 a 15 anos – e quem guarde ou transporte para consumo pessoal recebe pena de seis meses a dois anos de detenção. A proposta está em discussão em uma comissão na Câmara dos Deputados.
“Hoje, a lei militar é muito rigorosa para quem consome e tem uma pena mais branda para quem trafica dentro do quartel. Veja, que distorção imensa há: ele pode pegar 15 anos de prisão se for flagrado vendendo lá fora na esquina enquanto que, se for dentro da unidade, é de até 5 anos”, afirma a ministra do STM Elizabeth Rocha.
G1/montedo.com

12 respostas

  1. Se a defensoria dos drogados está tão preocupada em garantir direitos iguais entre militares e civis, que tal dar prioridade para as horas extras, adicionais noturnos, coisas que beneficiariam todos os militares em vez de apenas os piores deles?

  2. Isto mostra claramente onde um governo PTista quer chegar com as FFAA. É destruição da família e, como se não bastasse, vão tentar destruir de vez as organizações militares, onde muitos pais ainda têm a esperança de salvar um filho, depois da adolescência. Vai ser realmente o fim da sociedade brasileira, acompanhado do fim do respeito nos quartéis. É muito triste ver o caos para o qual estão levando o nosso país.

  3. As leis mudam para a população e o pessoal esquece de atualizar a legislação militar com isso o milico sai mais prejudicado ainda.
    Não estou defendendo isso ou aquilo, apenas a equiparação das penas e na da impede de ficar administrativamente preso por alguns dias quem estiver consumindo a droga na OM.

  4. Se a posse ou porte de drogas ilícitas forem liberadas, posso até concordar que o usuário o faça em sua vida privada, jamais em ambiente de trabalho. As soluções estão aí. O custo de manter uma pessoa presa é de R$ 4.000,00 mais o auxilio penitenciário de R$ 900,00.

    O Estado não se preocupa com a formação de seus jovens. Esses rapazes deveriam ingressar nas FFAA, receberem um salário razoável e sair em 5 anos com formação universitária. Vai ficar mais barato do que construir presídio.

    "O juiz pode aplicar uma advertência, determinar a prestação de serviços à comunidade ou o comparecimento a um curso educativo".

    "Na Marinha, a preocupação com o uso de drogas levou à criação de um programa de assistência e orientação – que, em 2014, tinha 75 pacientes".

    "A questão, no meio militar, deve ser enquadrada com maior rigor".

  5. Não se trata so de aumento. O uso de drogas raramente é levado à Justiça Militar pelos Cmt, que preferem expulsar os militares ou não renovar o contrato, por mera vaidade ou para não ter um problema judicial se arrastando na OM. Como dizia o Gen Freire: "não existem drogados no Exército", quando lhe foi levada a idéia de promover oficinas de prevenção sobre o assunto.

  6. No Hospital Geral do Rio de Janeiro HGERJ, existe o Projeto Phoenix que oferece tratamento para os militares que querem parar de fazer uso de álcool e drogas. Já recuperou muitos, inclusive a mim. Entrei em 2000 no tratamento e em 2001 já não fazia mais uso de álcool e recuperei minha auto-estima, conseguindo inclusive terminar o meu segundo grau e ser promovido a 2º Ten QAO. Servia no 1º GAAAe na Seção de Manutenção Antiaérea como Sub-Tenente estava totalmente entregue ao álcool. Ao ser promovido chefiei essa seção por seis meses e tive total apoio de meus antigos companheiros. Realmente funciona.
    PAULO ROBERTO FERRI – 2º Ten Res Rem

  7. Algumas instituições, por serem especiais, devem ser mais rígidas contra algumas atitudes de seus componentes. Por exemplo, um juiz que comete um delito grave e for considerado culpado, deveria perder o cargo,ser demitido e cumprir pena e não ser mandado para aposentadoria com salário proporcional.Com o militar, dependendo da pena é isso que acontece.

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