Justiça Federal anula transferência ex officio de coronel do Exército

O autor da ação judicial, um Oficial Superior do Exército Brasileiro, propôs a demanda objetivando a desconstituição do ato que o removeu ex officio da cidade de Natal⁄RN para Porto Alegre/RS, sustentando que a nulidade do ato está na ausência de motivação, e que a transferência, na verdade, teria ocorrido como forma de punição, em face de denúncia, apócrifa e anônima, apresentada por meio eletrônico junto ao Comando da 7ª Brigada, mas cujo teor acusatório não foi sequer objeto de apuração pela autoridade militar competente.
A denúncia anônima, mesmo sem apuração, foi a causa direta da ordem de movimentação forçada (transferência) de todos os oficiais militares acusados, por supostos atos de irregularidade cometidos no exercício de suas funções públicas.
A transferência do Oficial foi publicada com o fundamento genérico da “necessidade do serviço”, referindo-se ainda o ato de transferência que o objetivo seria a aplicação da previsão abstrata contida no inciso IV, do art. 13 do R-50 (desenvolver potencialidades, tendências e capacidades, de forma a permitir maior rendimento pessoal e aumento da eficiência do Exército), mas sem apresentar qualquer motivação concreta que justificasse o motivo aludido genericamente no ato discricionário.
A alegação de “necessidade do serviço”, como se verificou com a chegada do autor a Porto Alegre, se mostrou sem qualquer sustentação, uma vez que o requerente foi incluído como “excedente” no Colégio Militar de Porto Alegre, porque sequer havia vaga prevista para a sua lotação, passando a realizar atividades de menor complexidade, muito distante das importantes atribuições que desempenhava no Hospital Militar de Natal/RN.
O militar, inconformado com a transferência, e porque a movimentação lhe causou vários prejuízos, incluindo a desagregação do núcleo familiar e a desmoralização profissional, ao ser punido indiretamente, por conta de denúncias (falsas) anônimas, sem que lhe fosse oportunizada qualquer chance de defesa, mesmo porque inexistiu qualquer processo administrativo disciplinar em que os fatos pudessem ser efetivamente apurados, resolveu ainda apresentar pedido administrativo de “Reconsideração de Ato de Movimentação”, no qual, alegando existência de atos administrativos de autoridades do Exército Brasileiro realizados sem amparo legal, contaminados por vício de motivação e finalidade, foi encaminhado para o Chefe do Departamento-Geral de Pessoal.
Não obstante, o pedido de reconsideração foi arquivado.
Promovida a ação judicial em Porto Alegre, sobreveio a sentença de PROCEDÊNCIA, inclusive com a concessão de LIMINAR, anulando-se o ato administrativo inválido.
O advogado MAURÍCIO MICHAELSEN defendeu os interesses do Oficial do Exército.
DA DECISÃO JUDICIAL
Em apurada sentença, o MM. Juízo da 4ª Vara Federal de Porto Alegre assim decidiu o feito, verbis:
“(…)
Trata-se de pedido de anulação do ato administrativo de sua movimentação do autor da cidade de Natal/RN para Porto Alegre/RS, realizado sob o fundamento de necessidade de serviço.
O requerente alega que sua transferência tem motivação punitiva, em razão de denúncia anônima ocorrida por meio eletrônico, apontando supostas irregularidades no Hospital Militar de Guarnição de Natal/RN. Sustenta seu pedido na necessidade de manutenção da unidade familiar, pois se encontra incapacitado para o trabalho temporariamente, motivado pelo estresse decorrente de tal situação, bem como pelo fato de que uma de suas filhas, que veio para Porto Alegre com o autor, teve desempenho escolar insuficiente, enfrentando grande dificuldade de adaptação, acabando por ser reprovada na instituição de ensino militar, necessitando que sua mãe (ex esposa do autor) venha de Natal constantemente a fim de dar suporte emocional a menor.
A movimentação do autor de Natal para Porto Alegre, em novembro de 2012, foi realizada ex officio, alegando-se necessidade do serviço, conforme o disposto no inciso IV do art. 13 e o art. 14 do R-5-, aprovado pelo Dec. nº 2.040/1996, ou seja, objetivandodesenvolver potencialidades, tendências e capacidades, de forma a permitir maior rendimento pessoal e aumento da eficiência do Exército.
Todavia, tal motivação não restou justificada pela União, o que se soma ao fato de o autor ter sido movimentado para uma Organização Militar em situação de excedente do quadro, sem que fosse apresentada uma razão para esse fato também, o que permite concluir que a movimentação não teve por finalidade atender objetivos específicos previstos em planos de movimentações para preenchimento de efetivos mínimos nos diversos quartéis do Exército, como alegado nas informações prestadas inicialmente.
Apesar de não haver prova cabal de que a transferência do autor seja em decorrência da denúncia anônima alegada na inicial, os indícios são de que efetivamente a movimentação dos militares citados na denúncia, incluindo o autor, possa ter sido desencadeada em decorrência dessa denúncia. Já o inquérito policial militar nº 0000085-26.2013.7.07.0007 (evento 121, OFIC 1, pp. 1 – 7) foi instaurado em data posterior à transferência do demandante.
Por outro lado, há que se ponderar que a movimentação do demandante para a Organização Militar de Porto Alegre poderia ser prejudicial à sua saúde. Foi juntada documentação, conforme as atas de inspeção juntadas do evento 148, OUT 3, demonstrando que o autor possui depressão F 32.2 (diagnosticada como grave, em determinados períodos; e moderada, noutros), além de apresentar transtorno mental devido ao uso de álcool – FF 10. 2 – síndrome de dependência, encontrando-se incapacitado para o serviço do Exército temporariamente.
Ademais, com base na avaliação do quadro clínico, sugeriu-se o “tratamento farmacológico e psicoterápico. Este pode ser favorecido se obtiver suporte familiar.” (evento 148, LAU 2, p. 4). (grifei)
Destarte, denota-se que o problema psicológico do autor se acentuou a partir do momento em que o ato de transferência se consumou, sobressaindo-se, no caso, as consequências danosas suportadas pelo demandante e pela família (evento 1, ATESTMED 6: “Não apresenta-se em condições para o trabalho em seu OM, o que é agravado pelo afastamento de sua família”).
Assim, não resta dúvida quanto a existência de situação excepcional e peculiar no caso concreto.
De outra parte, em que pese as movimentações de unidades sejam inerentes à carreira militar, obedecendo à discricionariedade da Administração, ao interesse público e à legalidade, ocorre que, em casos especiais, em que haja fundado prejuízo à saúde ou à família do militar com a transferência, deve prevalecer o direito à saúde e a proteção à família, garantias constitucionais que, se devidamente comprovadas, podem, excepcionalmente, sobrepor-se ao interesse público.
A Carta Magna, no art. 1º, inciso III, estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana como diretriz do Estado democrático de Direito em que se constitui o Brasil.
Se é certo que não pode o servidor escolher o seu local e órgão onde trabalhar, sobretudo o servidor militar sujeito à legislação especial, face ao interesse público, a movimentação arbitrária do servidor, em prejuízo de sua saúde e em desvio de finalidade, visto que realizada possivelmente em razão de motivo diverso do declarado.
Ademais, o interesse contraposto – movimentação do autor para preenchimento de vaga em Porto Alegre – não sofrerá maiores prejuízos, porquanto, segundo afirmado pelo o autor e confirmado pela ré, em sede de contestação, o demandante compõe o quadro como “excedente” (evento 1, OUT 10), demonstrando que a sua movimentação não decorre de necessidade da unidade de destino.
Nesse contexto, deve-se ponderar que a atuação da Administração deve buscar a harmonia entre os princípios constitucionais que a delineiam, de forma a privilegiar a razoabilidade e a proporcionalidade, ou seja, a legalidade deve ser exercida com vistas ao bem estar do cidadão e ao seu progresso social. Assim, a razoabilidade quanto à interpretação e aplicação da legislação pertinente é medida que se impõe.
Com efeito, é o caso de ser adotada providência que preserve, em primeiro lugar, a saúde e o bem-estar da família, sem prejuízo do seu cargo militar e da sua remuneração, que tem natureza alimentar e é indispensável à sua sobrevivência e de sua família, principalmente no momento tormentoso que atravessa, em que é necessário ter calma e tranquilidade para que sejam mantidas a estabilidade familiar e a integridade física e psicológica sua e dos familiares, não sendo lícito à Administração Pública a tudo isso ignorar, por mais relevantes que sejam as suas razões.”
(…)”
O DIREITO DO MILITAR/montedo.com

9 respostas

  1. O militar é ciente que a qualquer momento pode ser transferido, se não quer sair da aprazível (e quente) Natal, onde moro, para a fria Porto Alegre, tem que justificar o motivo e estar bem fundamentado.

  2. A Justiça está à disposição de todos. Quem se sentir prejudicado deve buscá-la.
    Vivemos em uma República fundamentada no respeito à Constituição "Cidadã", o que caracteriza o Estado democrático de direito.

  3. Montedo…
    Aqui na Justiça Federal de Santana do Livramento, já foram exaradas em torno de 5 decisões liminares determinando o cancelamento do ato administrativo que havia transferido ex officio militares do Exército (1 oficial médico e o restante, sargentos).
    O fundamento principal para esses indeferimentos é justamente o fato da desagregação da família e também pq não há motivação objetiva e lógica acerca da imprescindibilidade da transferência de um militar específico.
    Abraço
    Marcirio Emilio

  4. Coisas da caserna…não apuram os fatos da denúncia propositalmente, para não "manchar" a excelente "imagem" que o Exército possui junto à sociedade, blá,blá,blá…aquela velha balela que "somos umas das instituições com maior índice de confiança…"
    Não menos importante, o "Chefe" deste Coronel também não tem interesse de mandar apurar, pois isto pode prejudicar sua briosa carreira e, consequentemente, suas promoções, missões no exterior e aditâncias…
    Pra finalizar a cagalhofança, bem à moda arbitrária de antigamente, o transferem à revelia, para que sofra uma "punição" velada…Não conheço o militar, e se ele é culpado ou não, mas bem fez em colocar a União na justiça. Pode ser que esta forma perversa de punição se extingua um dia, e nossos "chefes", em vez de terem medo de se prejudicar, apurem os fatos e adotem medidas baseadas no RDE e nas leis…

  5. Cabe uma pergunta!?!?

    Por que têm milicos que ficam em determinadas guarnições, por exemplo, em Brasília, até o fim de sua carreira e só DEUS que tira eles de lá. Enquanto outros têm que ser transferido logo por que a instituição quer (necessidade do serviço).
    Tem ainda os mais espertos que ficam em Brasilia e, "são transferidos por necessidade do serviço" por 2 anos em outro canto, por exemplo (Boa Vista-RR) e voltam para a capital novamente, uso e abuso da instituição.

  6. Sobre essa "necessidade do serviço" é interessante fazer algumas observações.

    Em se tratando de praças, o regulamento de movimentação fala em "vivência regional no âmbito do Comando Militar de Área" e isso deveria ser a regra, pois senhores vejamos: o sargento em sua "carreira" sempre estará sob as ordens de alguém, nunca vai assinar nada (digo, não terá autoridade de decisão), nunca comandará nada, portanto, qual a necessidade de ter vivência obrigatória no território nacional?

    Sim, pois se ele (sargento) em toda a sua "carreira" estará sempre sob comando de outro militar, sempre sendo um auxiliar, não há necessidade nenhuma dele conhecer outras culturas, pois o serviço dele estará condicionado às regras gerais dos diversos regulamentos e às normas particulares dos seus chefes (oficiais).

    Ora, um subtenente, por exemplo, não precisa servir em Manaus ou em Porto Alegre para se "aperfeiçoar" em sua profissão, pois como Encarregado de Material (sua função regulamentar), entre outras funções, ele fará as mesmíssimas atividades nas duas cidades. Uso uma figura ilustrativa para bem demonstrar isso, embora peço desculpas por ser, talvez, um pouco grotesca: não há necessidade de vivência nacional para saber "pagar" e controlar papel higiênico!

    Portanto, dizer que é imprescindível à "carreira" das praças a vivência nacional é ser, no mínimo, hipócrita. O militar que a cada três ou quatro anos muda de guarnição terá as mesmas funções de outro que passou a sua "carreira" inteira numa mesma guarnição.

    O mesmo regulamento de movimentações fala sobre a necessidade do militar servir em qualquer parte do país, mas essa regra é para ser aplicada em tempo de guerra. As movimentações para qualquer ponto do território nacional em tempo de paz deve ser encarada como exceção: vai quem quer; vai quem for voluntário. A obrigatoriedade – legal e até constitucional – do militar estar pronto para servir em qualquer lugar do território nacional é regra a ser aplicada em caso de guerra (declarada ou em sua iminência), calamidade pública ou outra situação de comoção nacional em que os órgãos de defesa daquela região não consigam resolver.

    É de se perguntar: em tempo de paz, para que o militar deve ser movimentado sem ser voluntário? Com qual fundamento? A realidade é que a administração militar usa mão dessa "obrigatoriedade" para tentar sanar os "furos" na distribuição dos efetivos, furo esse que vem de muito tempo atrás e, como nesse caso do coronel, para perseguir os militares (quem nunca presenciou esse tipo de perseguição nas OM?).

    Somente os oficiais que são potenciais candidatos ao cargo de oficial general deve ter como regra de sua carreira a vivência nacional. Como oficial general, ele deverá estar em condições de conhecer a cultura e a geografia de quaisquer regiões do país. Pois é ele, unicamente, quem poderá elaborar a estratégia de defesa ou de guerra e para isso se faz necessário aquele conhecimento (geográfico e cultural, entre outros).

    Como sugestão, aos colegas transferidos a sua revelia, consultem um advogado e foquem, em suas defesas, nesse ponto ou nessa diferença profissional: vivência do oficial versus vivência da praça.

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