Desacato contra militar em serviço de policiamento é crime comum, diz STF

Desacato contra militar das forças armadas em serviço atípico de policiamento é crime comum de competência da Justiça Federal

Eduardo Luiz Santos Cabette
A segunda turma do STF em ação de Habeas Corpus (HC 112936) decidiu que o desacato proferido contra militar das forças armadas, exercendo funções de policiamento ostensivo em atividade de pacificação de comunidades é crime comum e não militar, tendo em vista que o militar enfocado está exercendo função que é eminentemente de natureza civil. Em se tratandodo de funcionário militar federal, o crime é de competência da Justiça Comum Federal.
A decisão do STF não merece reparos. Realmente a função de policiamento ou a função policial em geral é eminentemente civil. Infelizmente há um ranço das ditaduras que proliferaram por toda a América do Sul, inclusive no Brasil, confundindo Segurança Pública com funções militares sob o pálio da chamada Ideologia da Segurança Nacional. Essa é uma das grandes explicações para a terrível e contraproducente dicotomia existente em nosso país entre Polícias Civis e Militares.
De qualquer forma, uniformizado e sujeito a patentetes ou não o Policial é sempre um funcionário público que exerce atribuições de caráter civil e jamais militar, ao menos no exercício de policiamento ou atividades de investigação, repressão e prevenção criminal.
Quando atipicamente militares das Forças Armadas são designados para o exercício de policiamento em apoio às forças de segurança pública dos Estados, passam também eles a exercer funções tipicamente civis.
Em matéria, por exemplo, de Abuso de Autoridade (Lei 4898/65), já se firmou jurisprudência, inclusive nas Cortes Superiores, de que a competência para processo e julgamento é da justiça comum, embora o crime seja perpetrado por Policial Militar em serviço, isso porque não há previsão no CPM de crime equivalente e também devido ao fato de que a atividade de policiamento é de natureza civil (FREITAS, FREITAS, 1997, p. 19 – 20).
No específico caso do crime de desacato previsto no artigo 299, CPM é ainda mais clarividente que a competência é da Justiça Comum (no caso a federal, já que se trata, no caso concreto, de militar das forças armadas, executando serviço de interesse da União – inteligência do artigo 109, IV, CF). Isso porque esse dispositivo exige que a ofensa se dê contra o militar “no exercício de função de natureza militar, ou em razão dela” (grifo monnosso).
Como explica Loureiro Neto:
“O dispositivo prevê duas hipóteses: na primeira, é necessário que a ação ocorra quando o militar esteja no exercício da função (in officio), praticando ato relativo ao ofício, isto é, aquele que se compreende dentro de suas atribuições funcionais ou regulamentares. Na segunda hipótese, o desacato ocorre em virtude da função, não estando o militar no exercício da atividade funcional (propter officium). Consequentemente, não há se cogitar o desacato se o militar é ofendido extra officium, como particular e as ofensas não dizem respeito com sua atividade funcional” (LOUREIRO NETO, 2010, p. 206 – 207).
Reforçam essa lição Neves e Streifinger ao asseverarem que “o militar (…) deve estar em função de natureza militar ou, ainda, o desrespeito deve ter – lhe sido dirigido por decorrência da função” (NEVES, STREIFINGER, 2012, p. 1330).
Por seu turno, Romeiro define o que seja função de natureza militar nos seguintes termos:
“Função de natureza militar, com base no art. 23 do Estatuto dos Militares, é o exercício das obrigações inerentes ao cargo militar, devendo-se, no entanto, restringir a compreensão para as atividades ligadas às constitucionalmente destinadas às Instituições Militares” (ROMEIRO, 1994, p. 84). Isso obviamente impede o reconhecimento de que a função policial seja de natureza militar, tendo em vista o disposto no artigo 144, CF, que, ao regular a Segurança Pública, não faz qualquer menção às Forças Armadas.
Ora, se o militar das forças armadas está exercendo função atípica de policiamento ostensivo – preventivo, de caráter claramente civil, não está em atividade militar. Se for ofendido em razão desse exercício ou no seu cumprimento, obviamente o crime que ocorre é comum nos termos do artigo 331, CP, o que afasta a competência da Justiça Castrense. Não há sequer subsunção ao artigo 299, CPM.

Referências:
FREITAS, Gilberto Passos de, FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de Autoridade. 7ª. ed. São Paulo: RT, 1997.
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
NEVES, Cícero Robson Coimbra, STREIFINGER, Marcello. Manual de Direito Penal Militar. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1994.
Âmbito Jurídico/montedo.com

4 respostas

  1. alguém me esclareça uma coisa pq sou burrão mesmo, isso q dizer então que ou as atividades de policiamento ostensivo q fazemos nas ruas não tem previsão legal e portanto NÃO DEVERÍAMOS fazer isso ou se há previsão legal para q façamos esse trabalho que Deus nos ajude pq não há lei q nos defenda a não ser a justiça comum? heeeee meu Brasil vamo q vamo….

  2. Da mesma forma se aplica tal entendimento em relação ao militar que está em "missão" de mata-mosquito, de catador de lixo, de fiscal sanitário, de recenseador nas estradas, em ACISO, de distribuidor de água (operação pipa), de GLO, em missão de guardinha de trânsito na via pública etc, etc… Só nas ações/operações propriamente militares é que poderá se aplicar o CPM ao civil.

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