Sem vencidos e vencedores (editorial de O Globo)

Nas rupturas institucionais, a “verdade” é a dos vencedores. Em 1964, a aliança política responsável por abortar, pela força, o governo João Goulart, com os militares à frente, inscreveu suas regras na Constituição de 1967, aprovada por um Congresso subjugado pelo regime.
Este reforçaria ainda mais seu controle sobre a sociedade, em 1968, pelo Ato Institucional nº5, a expressão jurídica, em resumo, do golpe desferido pela linha dura contra o grupo de Castelo Branco, o primeiro general-presidente.
Naquele regime, autoritário, não havia espaço para esquerda de qualquer matiz. Inexistiam as liberdades democráticas mais corriqueiras.
Já o fim do regime ocorreu de forma diferente do que acontecera em 64. Não houve ruptura abrupta, mas um processo de descompressão e transferência do poder negociado entre generais e líderes da oposição.
Há peculiaridades no Brasil de 1964 a 1985, ano do fim da ditadura militar com a posse de um presidente civil (José Sarney, vice de Tancredo), ainda eleito pelo Congresso, sem voto direto.
Os militares trataram de manter, mesmo que só formalmente, ritos da democracia representativa: a ditadura cumpria mandatos, o presidente e vice, depois de indicados pelos quartéis, eram ungidos pelo Congresso, e havia eleições para as Casas Legislativas.
Prendia-se por motivos políticos, cassavam-se vereadores, deputados, senadores, ministros do Supremo, mas procurava-se manter um lustro de “democracia”.
O fim do regime também foi atípico. Ele desfaleceu, asfixiado pelo esgotamento do modelo econômico dependente de financiamento externo abundante, monitorado por uma junta de situacionistas e oposicionistas. Tanto que Sarney havia sido suporte do regime militar no Congresso.
A passagem do bastão do poder foi suave, apesar da violência verificada principalmente depois do AI-5, de 13 de dezembro de 68. Até Ernesto Geisel e Golbery vencerem a “tigrada” dos porões.
Em todo fim de ditadura há uma anistia das vítimas do regime. No Brasil, o perdão também passou pela mesa de negociações entre generais e políticos civis da oposição. Tanto que ela foi aprovada pelo Congresso em 1979, ainda num governo militar, o último, do general João Baptista Figueiredo, escolhido por Geisel para sucedê-lo.
E no eixo central da lei negociada foi fixado o perdão recíproco, de agentes públicos envolvidos na repressão e participantes da luta armada pela esquerda. Uma fieira de crimes foi cometida por ambos os lados naquela guerra suja e, muitas vezes, subterrânea.
Considerado este contexto, não se sustenta a campanha que volta a ganhar força, com a proximidade da indicação dos nomes da Comissão da Verdade, para a punição de militares, policiais, agentes de segurança em geral que atuaram nos porões da repressão.
A insustentabilidade legal já foi estabelecida pelo Supremo Tribunal, em 2010, por sete votos a dois, em julgamento de ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra o alcance da Lei de Anistia.
Tentativas de condenar agentes públicos em casos de desaparecimento de corpos, em que se configuram sequestros, não deverão prosperar na Justiça. Mesmo que haja o argumento do “crime continuado”, usado por membros do Ministério Público. E não há sentido político de se retomar esta campanha, com a tentativa de burlar a Lei de Anistia.
Saber o paradeiro de pessoas desaparecidas é outra história. A missão cabe e precisa ser cumprida pela Comissão da Verdade. Mas sem consequências punitivas, por ilegais. Do ponto de vista da Lei de Anistia, a verdade é que não houve vencidos nem vencedores.
O Globo/montedo.com

3 respostas

  1. O Brasil deveria ser maior do que todo esse blá,blá,blá de Comissão da Verdade. Senhores paladinos da justiça, o STF já pacificou o assunto e não respeitar essa decisão, isso sim, merece ser punido. Ressalto que a verdade não faz mal a ninguém, desde que não permita aos oportunistas de plantão se beneficiarem de verdades construídas visando interesses particulares. O que fatalmente vai acontecer. Como no Brasil nada é sério e tudo vira pizza no País das maravilhas, essa conta quem vai pagar é o povo brasileiro mais uma vez.

  2. Essa marmelada de comissão da verdade, deveria chamar-se de comissão de engana trouxa, tantos assuntos importantes para políticos se ocuparem, ficam secando gelo, abanando carvão molhado sobre um assunto o qual já deveria ter sido enterrado desde 1979, todo mundo foi perdoado esquerda x direita, o jogo ficou empatado. O governo PTralha procura um modo de ficar nos holofotes com assuntos rolhas enquanto roubam-se milhões da saúde em licitações fraudulentas,as FFAA estão sucateadas, salários miseráveis e fora outras mazelas que passam os militares e os brasileiros.
    Esse assunto de comissão da verdade só serve para alimentar a rodinha de conversa da galera do do Clube "do pijama" Militar. pois quando na ativa esses generais não faziam nada em prol da tropa e agora que foram para a reserva e a mulher não aguentam eles em casa ou suas excelências não arrumaram uma ocupação de síndico, parece m que quando se vai para a reserva descobrem a pólvora e a realidade SE DESCORTINA SOBRE ELES.
    ESTÃO DE SACANAGEM !!!!

  3. Sobre a comissão da verdade :

    1º Trata-se de uma manobra política, com a finalidade de desviar a atenção das falcatruas e roubalheiras do governo. As eleições estão chegando e vão precisar fazer muito caixa 2 e para isso, uma história de cobertura é mais do que bem vinda.

    2º O governo atual não tem a mínima vontade de resolver o problema, pois se o resolvessem, perderiam a barganha de se auto-intitularem "defensores da democracia". Essa conversa ainda vai longe…

    3º O Exército se calou durante muito tempo, deixando os esquerdistas contarem uma história falsa. Agora, estamos conhendo o resultado dessa omissão. Quem ganha a guerra, tem por obrigação contar a história. O Exército ganhou a guerra, mas deixou esse povo contar sua história, consolidando-a como se fosse verdade obsoluta. Quem não viveu este período, acha que os esquerdistas foram vítimas, pois nas escolas, os professores vermelhos doutrinaram as crianças a pensar desta forma.

    4º O Exército tem que afirmar que o assunto já foi encerrado na esfera do judiciário e ponto final. Quem não estiver satisfeito, que morda a própria testa…

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