Capitão de corveta da Marinha largou tudo para ser mulher

Bianca saindo do prédio na Justiça Federal Foto: Bruno Gonzales 
Antero Gomes
O desejo que se expandia no coração do oficial da Marinha não tinha uma forma definida. Apesar disso, quando criança, ele se olhava no espelho e via, no rosto masculinizado, um conjunto de ângulos retos como os cantos da moldura. Entrou para as Forças Armadas, fez polo aquático, casou, teve um filho, mas, no meio do caminho, já adulto, a vontade de ser mulher foi preenchendo-o lentamente, como num exercício de caligrafia. Dos hormônios e das operações (inclusive a de mudança de sexo em 2010), surgiu Bianca, de curvas acentuadas pelo corpo.
Faz três semanas, Bianca aguardava a chegada de seus ex-comandantes da Marinha, para uma audiência no corredor do 8andar de um prédio da Justiça Federal. Era um dia de calor intenso, e ela estava com óculos escuros, uma saia preta e uma blusa aberta nas costas e nos ombros.
No lugar de medalhas, ostentava “heroicamente” 300 mililitros de silicone em cada peito; tinha próteses nas panturrilhas; o nariz estava menos abatatado; o lábio superior fora levemente repuxado; e os cabelos lisos, caprichosamente esculpidos numa longa sessão de cabeleireiro no dia anterior. O aroma adocicado do seu Florata in Gold em nada lembrava o cheiro do marinheiro desbravando os mares.
Quando saiu do elevador devidamente fardado e avistou o ex-subordinado, o diretor de Saúde na Marinha, o vice-almirante Edson Baltar, não conseguiu disfarçar a surpresa, como se dissesse: “É você?”
A audiência foi a primeira do processo que a capitão, de 40 anos, move contra a Força à qual serviu desde os 15 anos. Em 2008, ao procurar seus comandantes e avisar que estava tomando hormônios femininos havia um ano, Bianca foi pivô de um escândalo de deixar o Almirante Tamandaré remexendo-se no túmulo. Em dois meses, foi reformada com vencimentos reduzidos. Às pressas. A Marinha a considerou capaz para trabalhar, mas incapaz para continuar em suas funções na Escola Naval. Nos tribunais, Bianca busca indenização e soldos integrais.
Pedro Teixeira Foto: Bianca diz que Marinha não a tratou bem

— A incapacidade de voltar à carreira militar é da Marinha em me receber e não minha de retornar — diz ela.

Olhares desconfiadosNa véspera da audiência, a ex-oficial entra num bar da Praia de São Francisco, em Niterói, senta-se numa das mesas em que o repórter a aguardava e pede um refrigerante light. O sol de fim de tarde ainda é forte e, ao rebater nas folhas das palmeiras, projeta no rosto de Bianca diferentes formas geométricas. Embora disfarcem, os garçons a observam desconfiados, a ponto de ela se incomodar. Quase vai tirar satisfações. Em vez disso, diz, num tom profético, como se desvendasse a mandala de luz em sua face:
—Tenho uma previsão: ainda vou ser muito feliz.
Até 2006, o conceito de felicidade era ser um bom marido, um pai atencioso e um comandante responsável pela formação de 500 aspirantes na Escola Naval. Mas, naquele ano, Bianca decidiu tornar público para os familiares uma situação que vinha se arrastando na clandestinidade. Algumas vezes acompanhada pela ex-mulher, o oficial já participava de concursos num badalado clube GLS. Foi Miss Gay 2006. A família ficou horrorizada. A mãe passou a tratá-la como uma “aberração”. Pressionada pelos parentes, a companheira — ciente há anos da situação — pediu a separação. Os militares só saberiam dois anos depois.
A ex-mulher de Bianca tentou, então, impedir que ela visse o filho, de 7 anos. Alegou que o garoto poderia virar homossexual. Mas Bianca procurou a Justiça, e o juiz garantiu-lhe todos os diretos de “pai”. Em público, o menino a chama de mãe. Parece não jugá-la. E isso dá a certeza a Bianca de que, seja qual for a forma que ela tiver, o coração ainda continuará sendo o vértice de tudo.
Extra/montedo.com

11 respostas

  1. quando o caso envolve praça há uma repercussão entre os oficiais!!! agora este caso…não tinha ouvido falar….
    FFAA fecha os olhos para alguns casos.

  2. tinha um major que insistia em falar, diariamente, dos 2 sgt gays nas formaturas da unidade, na presença de Of, S Ten , Sgt, Cb e Sd. Um dia, um camarada questionou sobre um maj da guarnição que apareceu em uma foto da parada gay em são paulo. O tal maj, nunca mais voltou a falar no assunto durante as formaturas. Pimenta nos olhos dos outros é colírio…

  3. A diferença é que o capitão não foi em programa de televisão… Fez esc6andalo…Teve xilique…Se disse perseguido…
    Por incrível que pareça, foi procurar os seu direitos nos tribunais…
    Ao contrário daquelas bixas locas…

  4. O respeito todos nós queremos, então, chegou o momento de retribuir. A injustiça e preconceito são injustificáveis. O que a justiça decidir, tá decidido. A sociedade, hoje, está muito mudada e meio confusa também, principalmente nos meios militares. As mulheres estão aí na Força. Logo logo serão generais, brigadeiro(a), etc. Aí eu quero ver como vai ficar. Será que daria certo ele(a)(o problema é esse) trabalhar junto com o Bolsonaro?(Eele diz fala que não tem nada contra)

  5. Acho mais estranho quando sou atendido por um oficial vestido de homem e se rebolando todo, com aqueles trejeitos de traveco, do que ver uma pessoa assumir de vez e trocar tudo, do estepe aos faróis(nada contra). Já pensou no futuro, uma grande comandante de peito(mesmo que seja de silicone) a frente dos milicos resolvendo de verdade os problemas da tropa, já que os machos não fazem? Você não ficaria a favor? Que ele seja feliz, isso é o que importa.

  6. Sexualidade não é a mesma coisa que qualidade, nem caráter, nem hombridade, senão as forças armadas teriam evoluído muito nestes últimos anos, mas, ao contrário, parecem estar andando para trás…Não adianta mudar o sexo das pessoas, mas sim os padrões viciosos e seculares que se tornaram endêmicos em todas as instituições do país. E, cá pra nós, ainda não inventaram bisturi ou silicone que possa mudar isso.

  7. Sem preconceitos, mas o sargento foi a um programa de tv, ainda na ativa, tratar de assunto que envolve a administração militar, sem estar autorizado para tal. Além disso, era apenas desertor.
    Sou sargento, mas o capitão da marinha comunicou a seus superiores a sua condição e foi reformado. Após ter feito sua cirurgia acionou a justiça por uma questão que haja ter direito. A justiça vai decidir. Ponto para ele.
    Não foi comentado antes por que não havia saído na imprensa antes, ao contrário da dupla de sargentos que faz questão de aparecer na mídia, vender livros, fazer shows, etc.

  8. Cumpadi, é século XXI!
    Se o cara é bom (ou boa) Soldado, não podemos desconsiderar! Uma coisa é o cara ser homossexual, outra é assediar alguém dentro da OM!
    Já trabalhei com militares que eu sabia serem homossexuais (até Oficiais Generais) e que sempre se comportaram dignamente e eram ótimos militares!
    Por outro lado, já servi com um Oficial superior HETERO que assediava grosseiramente as Sargentos enfermeiras que serviam na OM, e ainda por cima, era péssimo militar (um lixo mesmo).
    Depois disso, deixei de ter qualquer preconceito e aprendi a separar homofobia de assédio!
    Não podemos partir do princípio de que todo homossexual (seja masculino ou feminino) vai assediar um companheiro, ou terá uma conduta reprovável dentro da OM.

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