HAITI: REPORTAGEM ESPECIAL DE REGIS RÖSING

Haiti tenta superar marcas do terremoto de 2010 através do esporte
Um ano após a tragédia, o repórter Régis Rösing foi ao país mais pobre das Américas para ver como o esporte transforma a vida das pessoas
Cidades sem energia elétrica, sem água potável, com muitos corpos e toneladas de entulhos nas ruas. Cerca de 316 mil mortes, 50 mil crianças órfãs e 1,5 milhão de jovens desabrigados. Este é o retrato do Haiti pouco mais de um ano após o terremoto que teve seu epicentro a 25 quilômetros de Porto Príncipe, capital do país, e abalou a rotina do local. O repórter Régis Rösing foi ao país mais pobre das Américas para registrar como o esporte transformou a vida de pessoas que perderam familiares e tiveram lares destruídos pela tragédia.
Além da presença do Exército brasileiro, que foi enviado para ajudar a reestabelecer a ordem e paz no local, o repórter também contou com a ajuda dos atletas brasileiros Dayane Camilo, Claudinei Quirino e Luiz Lima e do haitiano Ivens Pierre para mostrar a história de superação da população. E que o futuro reserva para o país caribenho.
Os militares brasileiros estão no Haiti desde 2004. E, ao todo, já foram cerca de vinte mil soldados enviados. Agora, o grupo também tenta fazer com que o povo haitiano acredite que, através do esporte, as crianças podem se divertir, se desenvolver e ajudar a fazer algo a mais pelo próprio país.
– Queremos, através do esporte, diminuir a violência no país e fazer com que a autoestima do povo aumente – disse capitão Correa Neto.
Segundo o sargento Carvalho, são gestos simples que mostram como a ajuda é bem-vinda.
– É muito gratificante, porque têm pessoas que dizem que a gente não pode mudar a história do Haiti. Mas a gente pode sim mudar um dia e fazer essas crianças sorrirem. Pequenos gestos. É só o que elas querem. Um abraço. Elas perderam seus pais e vêem a esperança na gente.
Medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Winipeg-99 e de Santo Domingo-2003, a ginasta Dayane Camilo se apresentou para as crianças e promoveu uma aula ao ar livre. A paranaense fez movimentos que valem pontos em Olimpíadas e viu as crianças se apaixonarem pela modalidade, tentando imitar todos os passos.
– Foi a maior felicidade que já tive. Maior do que treinar e ganhar uma medalha. Com tanta desgraça no país, não tem coisa melhor do que vê-los feliz, batendo palmas e cantando. Aqui é uma alegria diferente. Você nem dá tanto, e elas te retribuem tanto – contou, emocionada.
Em meio a prédios em ruínas, as crianças crescem e começam a praticar esportes. É neste cenário que Claudinei Quirino voltou a correr. O medalhista de prata nas Olimpíadas de Sidney-2000 percorreu locais devastados pelo terremoto durante uma corrida de seis quilômetros promovida pelos militares brasileiros. A promessa de água potável, suco e lanche para os competidores atraiu milhares de haitianos, que, por algumas horas, esqueceram todo o sofrimento que passam. Caso do pequeno Maurice. Com apenas seis anos, ele completou o percurso para poder se hidratar e ganhar duas bananas de recompensa. Com a medalha no pescoço, ele disse que quer um emprego, quer trabalhar para poder sobreviver.
Maurice mora na Cozinha do Inferno, local conhecido por uma feira pública onde as pessoas trocam objetos pessoais por comida – muitas vezes estragada. Com esgoto ao céu aberto e porcos, os habitantes oferecem as roupas usadas que receberam de doações em troca de qualquer coisa para comer. Até mesmo pombos.
Claudinei Quirino e Luiz Lima, nadador pentacampeão da Travessia dos Fortes, no Rio de Janeiro, visitaram o local. A luta contra a fome e a miséria comoveram os brasileiros.
– Parece que é um filme, não é real. Agora mesmo tinha um criança de uns dois anos descalça no meio dos porcos, cheio de fezes, cheio de tudo. Parece que não é real isso aqui, não é real – disse Claudinei, quase sem acreditar no que estava vendo.
Apesar das condições que vivem, Luiz ressalta a alegria do povo.
– As pessoas não têm água, não têm luz. Estou vendo aqui a cena mais forte que eu já vi na minha vida e ali a gente vê um senhor sorrindo – apontou.
Eu me sinto com vergonha de ser um ser humano e de ver tanta injustiça no nosso mundo.”
Luiz Lima, pentacampeão da Travessia dos Fortes
– Isso é impressionante, ele está vivendo aqui, no meio do lixo, e está sorrindo. É uma lição de vida para todos nós. Você vendo aqui o que essas pessoas estão passando é muito doloroso. Eu me sinto com vergonha de ser um ser humano e de ver tanta injustiça no nosso mundo – desabafou o nadador.
A água do esgoto é a única água para beber, não só na Cozinha dos Infernos, mas em muitos outros lugares. Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 2,2 milhões de pessoas podem ser contaminadas pela cólera. Já são 300 mil pessoas infectadas. E cinco mil já morreram. Só uma minoria consegue cloro para purificar a água.
Além de prestar ajuda para os haitianos, o Exército brasileiro quis criar a figura do ídolo esportivo, um bom exemplo a ser seguido. Como Ivens Pierre, o primeiro boxeador da história do Haiti a conquistar o cinturão de campeão da América Central na categoria peso pena, de até 61 quilos. O atleta, que teve ajuda dos soldados para ir participar da competição no Panamá, começou a treinar para não entrar para o mundo das gangues armadas.
A Cité Soleil, favela onde o atleta nasceu e cresceu, fica no subúrbio de Porto Príncipe e, durante anos, conviveu com grupos armados e traficantes de drogas. Em 2004, a história de Ivens mudou com a chegada da missão de paz brasileira. Apesar do terremoto ter destruído o único ringue da cidade – o que fez com que o pugilista tivesse que treinar na rua – ele não desiste do sonho de ser campeão do mundo e continuar ajudando o bairro de seu coração.
– Todos querem me seguir. Uso a popularidade para convencer os haitianos de Cité Soleil a não promoverem a violência de novo, a praticarem esporte.
SPORTV

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