CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NAS PUNIÇÕES DISCIPLINARES : UMA REALIDADE [AINDA] DISTANTE

Ricardo Montedo
Por falta de conhecimento jurídico, furto-me de analisar a constitucionalidade do E/1, na questão específica da notícia postada acima.
Entretanto, quem conhece a rotina da caserna sabe muito bem da dificuldade encontrada e da pressão exercida sobre um militar que “ousar ” (embora a previsão regulamentar), solicitar reconsideração ou queixar-se de ato, disciplinar ou administrativo, de um superior hierárquico.
Raríssimos são os chefes militares, em qualquer nível, que, numa situação dessas, conseguem ater-se rigorosamente aos ditames regulamentares, permitindo ao subordinado buscar, sem constrangimento, a reparação que entender ser seu direito.
Embora as Forças Armadas tenham avançado muito no sentido de conceder ao militar o direito ao contraditório e ampla defesa nos processos disciplinares, a aceitação de tais procedimentos, nem tão recentes, está longe de ser pacífica por trás dos muros dos quartéis.
Não raro, na prática castrense, o famoso FATD (Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar) serve apenas como componente de um processo que legitima decisão informal já tomada, baseada em averiguações preliminares, o que desvirtua completamente sua finalidade.
As reações aos pedidos de reconsideração de ato (administrativo ou disciplinar) e queixa, que questionam frontal e abertamente decisões de comando, muitas vezes redundam em novas sanções, pois sempre se encontram nos processos uma ou outra palavra mal colocada, alguma informação que possa ser enquadrada como falta à verdade, uma firula redacional que possa ser classificada como desrespeitosa. Se existir uma predisposição negativa da autoridade militar, será aplicada uma nova punição ao requerente. Esses procedimentos, infelizmente, ainda são comuns.
No caso de ações judiciais, então, é inegável a pressão que o próprio sistema exerce contra o militar, por mais justo que seja seu questionamento. Estão implícitos numa situação dessas o prejuízo a carreira e à vida familiar.
Quanto à carreira, as avaliações periódicas, vitais para a ascensão profissional, dificilmente deixarão de ser contaminadas por episódios que, apesar de perfeitamente legais, são, no entender de muitos chefes, uma afronta à disciplina.
Por outro lado, os regulamentos militares permitem a transferência “ex-officio”, que, nesses casos, pode ser usada como meio de coação ou represália, pela desestruturação familiar que causam.
Sob outra ótica, é inegável que, até com certa frequencia, alguns militares aproveitam-se da via judicial para obter proveito próprio, muitas vezes de ordem particular e completamente dissociado do motivo alegado, mascarado como pretensa necessidade, prejuízo ou preterição.
Enfim, ainda há um longo caminho a percorrer nessa questão, que passa, necessariamente, pelo amadurecimento das relações entre superiores e subordinados (principalmente entre oficiais e sargentos) e a extirpação de alguns ranços do período revolucionário que ainda persistem, como o temor de uma politização do ambiente militar.

4 respostas

  1. Existge um abismo conceitual entre justiça e disciplina. A primeira, consubstanciada nos códigos penais e processuais, destina-se a assegurar o cumprimento da lei e a punir os seus infratores, os criminosos e os contraventores. A segunda tem o escopo de garantir o cumprimento dos deveres e obrigações funcionais, particularmente os que dizem respeito às atividades-fim da organização.
    Para o segmento militar, a disciplina é muito rigorosa, colocando, nas mãos dos chefes militares, instrumentos de coerção que lhe permitam conduzir homens em situação de conflito – guerras e revoluções. Sem esses meios de coerção, seria impossível ou temerário tentar forçar um combatente a arriscar a sua vida para além dos limites normalmente aceitáveis de risco. De fato, é da natureza do serviço militar a obediência irrestrita e inquestionável das ordens recebidas, por descabidas que sejam, desde que estejam orientadas para o cumprimento da missão e não firam o pundonor militar nem qualquer imposição regulamentar ou legal.
    Assim, durante o serviço militar inicial, o soldado e o cabo recrutas são submetidos à disciplina rigorosa e beirando a "injustiça", com o propósito de terinar o seu espírito para aquelas situações em que ele não poderá discutir a ordem recebida e, muito menos, deixar de cumpri-la, a qualquer custo. É claro que, em tempo de paz, a rigidez no cumprimento rigoroso das ordens é um tanto atenuada pela ausência de conflito e de risco de vida.
    Por esses motivos, é inexplicável que um comandante tenha que intruir seus recrutas a rfespeito do cumprimento inflexível do dever, sob pena de punições rigorosas, se se lhe interpõem recursos para defesa e contraditório, necessários e obrigatórios em casos de justiça, mas perniciosos e contraproducentes nas questões disciplinares.
    É fato que os comandantes exorbitam, muitas vezes, dandpo tratamento idêntico aos profissionais de carreira e aos convocados, mas não é tolhendo a sua autoridade disciplinar que será repassada, à tropa, a noção de cumprimento do dever e punição imediata aos faltosos. O que ocorreu foi uma diminuição intencional da autoridade militar, como parte duma imensa orquestração de descrédito de todas as forças armadas, no bojo de um imenso esforço para a sua desmoralização.
    Perguntem aos militares norte-americanos (os melhores do mundo, por favor!) como funciona o Uniform Code of Military Justice. Perguntem a eles se o recruto pode interpor recurso disciplinar em três dias de prazo e se o comandante, lá, concede tal prazo de "defesa". Façam essas perguntas a outros exércitos igualmente eficientes e, depois, vejam o que acontece na tropa brasileira.
    Fico à espera das bordunadas dos que aceitam, passivamente, essa deturpação do conceito de disciplina e a sua finalidade nas forças armadas.
    José Prudêncio Pinto de Sá – Coronel Reformado do Exército

  2. O Sr. falou bonito Coronel! Mas isto aí é na teoria. O Sr. nunca foi praça, por isso fala assim!

    Vá descansar Coronel, a guerra para nós acabou!

  3. Tudo isso Cel, é o medo que o Cmt possa ser traído, principalmente por militares de menores níveis hierarquicos. pelo menos deixa bem claro seu comentario. As vezes concordo com o senhor, pois os maiores traidores de EB, desculpe minha franqueza, foram o Sgt Luiz Carlos Prestes e o Cb Carlos Lamarca. Acorda véio.

  4. Meu nobre Coronel, Apresento-me: 1. Sgt Natanael, do Exército, 2. Pelotão Especial de Fronteira/CFSol/8.BIS

    Em bela redação o Sr soube explicar com maestria a importância do pilar da disciplina, que ora nos sustenta a essência. Permito-me, porém, embora concorde em parte com o Sr, apresentar as seguintes considerações: O contraditório e ampla defesa são fruto da natural evolução jurídico-social, que graças a Deus, engloba nosso Exército. O Sr acerta quando apresenta a disciplina como ferramenta necessariamente forte na mão de um comandante, mas creio, desconsidera que os mesmos comandantes, sendo humanamente falhos, não raro utilizam-se desta ferramenta para cercear liberdades e direitos naturais, satisfazendo o próprio ego.
    Que dizer, meu coronel, de um colega seu que puniu um Sargento, zero-um de turma, zero-um de CAS, colega meu, por "ausentar-se de seu local de trabalho, após o horário do expediente, sem ordem para tal". Está lá no BI de uma OM do CML, aliás não está mais, porque o Oficial, ao tomar conhecimento de que o Sargento recorreria à justiça comum, mandou "substituir" a folha do boletim. Bendita máquina de xérox! Tudo isso porque ele gostava de ver seus subordinados esperando por ele na seção, para ouvirem duas ou três pomposas verborragias na forma de ordens para o dia seguinte. Ninguém me contou, EU ESTAVA LÁ. É para isso, Coronel, exatamente para isso, que o Exército teve enfiada garganta abaixo o contraditório e ampla defesa, e duvido, divido muito, que tais ferramentas venham a prejudicar a disciplina aplicada corretamente, no ato jurídico perfeito. Pelo contrário! Servirá para podar desmandos e solidificar ainda mais a JUSTIÇA e destacar as autoridades que bem souberem disciplinar. Meu respeito e minha continência! Selva!

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